sexta-feira, dezembro 22, 2006

Natal é o Mistério da Reconciliação


Quando você pensa no Natal que imagens vêm à sua mente? Papai Noel, rena, trenó, árvore, neve, lâmpadas multicoloridas? Claro que não! Você é um cristão consciente e no final de ano você pensa no presépio, na estrela de Belém, nos magos, nos pastores que estavam no campo e foram convidados pelos anjos para conhecerem o “recém nascido reio dos judeus”. Mas será que Natal é isso mesmo?

Creio que as imagens tradicionais não fazem justiça à grandiosa mensagem do Natal. Tudo quando nos dizem os Evangelhos é verdadeiro e constroem o cenário em que se deu o mistério da encarnação, mas o que vem a ser isso? A encarnação é a essência do Natal. É o inexplicável fato de que Deus amou tão intensamente a sua criação que para resgatá-la, fez-se homem e veio habitar conosco, tomou sobre si as nossas dores, limitações, angústias. Tudo quanto é típico da humanidade se tornou parte de sua natureza.

A grande maioria das religiões orientais falam de um caminho para que o homem se aproxime de Deus, elevando “a coroa da criação” aos píncaros dos montes eternos, quem sabe através das orações, meditações, atos de misericórdia ou contemplação. Mas o Novo Testamento nos trouxe uma direção diferente, Deus é quem desce à condição humana para mostrar-lhe como é possível existir na presença do Senhor e em comunhão com o semelhante sendo homem. Tudo quanto Jesus disse e fez em seu ministério terreno foi para nos revelar como pode ser sublime viver em comunidade. Deus é comunidade e habita na comunidade dos santos que invocam o seu nome.
Jesus veio ao mundo para anunciar a sublime verdade de que o Pai não preserva para sempre a sua ira, que o amor pode mais do que o ódio, que o pecado não é maior que a graça e que Criador e criatura podem ser um só. Gosto de pensar como um dia me sugeriu o pregador presbiteriano Tim Keller, que Jesus contou a parábola do Filho Pródigo, na qual há um “irmão mais velho”, que fica irritado com o seu pai porque este recebe de volta com festa o filho mais moço que havia saído de casa e desperdiçado levianamente todos os seus bens, para nos fazer saber que ele, Cristo, é um outro tipo de “irmão mais velho”, um que vai à procura de seu irmão, que o busca nos guetos e vielas até encontrá-lo e quando o encontra, o abraça, cuida dele e lhe diz: “vamos voltar pra casa, Papai não com raiva de você, ele vai lhe perdoar e receber”. Assim fazendo a parábola se transforma em um contraste entre o próprio Jesus e os religiosos de seus dias, que eram os ouvintes originais da estória.

A mensagem do Natal é o anseio divino pela reconciliação do homem consigo. Toda revelação evangélica é uma “outra parábola do Filho Pródigo”, na qual o reencontro acontece em face de uma busca, em que o Pai não fica na expectativa do regresso do filho, mas toma a iniciativa de envia seu Primogênito para empreender a maior busca que a História já conheceu para resgatar não um, mas todos os filhos que se desgarraram do Pai e que vivem distantes de sua casa. O desejo eterno de Deus é o abraço e a festa, que um dia o Rev. Alexandre Ximenes chamou de o “baile dos arrependidos”, em que qualquer um pode entrar, desde que tenha consciência de que não merece nada do que está ali acontecendo e que tudo é por graça e amor do Pai.

Quero pedir ao Senhor que você tenha de fato um Feliz Natal, mas o que seria mesmo isso, um feliz Natal? Melhor que ter um fim de semana feliz é descobrir neste final de semana o caminho para ser feliz, e este caminho é crer no Natal. Crer nele como a revelação de que Deus se interessa pro nós, que as nossas vidas e dramas não passam desapercebidos do Pai, antes, foi justamente para que nós fôssemos felizes que Ele suportou o supremo sacrifício, fez vir “o seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crer, não pereça, mas tenha vida eterna” (Jo. 3:16). Jesus continua a nossa procura para entregar o mais belo e antigo dos cartões de Natal, nele está escrito: “Filho, eu sempre te amei, nada do que você tenha feito, dito ou pensado pode mudar isso, quero que vivamos sempre em perfeita harmonia e comunhão. Você pode contar sempre comigo. Assinado: Painho”.

Deus te faça feliz,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliação.org

sexta-feira, dezembro 01, 2006

O Começo do Fim da Igreja Evangélica Brasileira

O título deste artigo pode parecer dramático ou sensacionalista, mas segue na esteira do que muitos importantes líderes cristãos têm apontado como sendo uma posição pessoal e/ou comunitária, uma espécie de “fim para mim”. Refiro-me a figuras como o pastor de origem batista Ed René Kivitz, que em seu recente livro “Outra Espiritualidade”, afirma estar à procura de um outro modo de expressar a sua fé em Deus e a sua fidelidade a Cristo, que não àquela que ganhou a alcunha de evangélica. Ele diz não mais se ver naquilo que pode hoje ser identificado por este adjetivo.
Antes dele Ricardo Gondin, líder internacionalmente conhecido da Igreja Assembléia de Deus, escreveu em carta aberta amplamente veiculada na Internet, seguindo o mesmo diapasão, que não é mais evangélico. O texto de Gondin me soou mais acre que de Kivitz, nele o pastor que começou o seu ministério na capital cearense, mas que hoje está radicado em São Paulo, diz que a igreja evangélica no Brasil transformou-se numa fábrica de medos e neuroses, marcada por um forte legalismo e com seu corolário que é a burocracia forense, de tribunais eclesiásticos e assembléias deliberativas, onde muito se discute, machuca, humilha e constrange, mas pouco se delibera.
Um outro cristão de renome que parece ter declaradamente deixado as fileiras do evangelicalismos tradicional foi Caio Fábio. Tendo sido um dos maiores evangelistas da história de nosso país com as cruzadas de evangelização que literalmente cruzaram o país nas décadas de 80 e 90 e o principal articulador da Aliança Evangélica Brasileira (AEVB), Caio guarda hoje muitas reservas em relação à maioria das iniciativas eclesiásticas tidas como evangélicas que têm notoriedade na mídia televisiva e radiofônica. Suas acusações carregadas de uma terminologia psicanalítica apontam um grande seguimento das igrejas evangélicas como estando a torturar emocional e espiritualmente os fiéis, quer seja instalando neles “culpas fabricadas em laboratório”, quer pelas promessas de saúde e prosperidade à “preços módicos”.
Por que será que estas e outras tantas figuras de peso estão se “desassociando” do movimento evangélico? Creio que poderíamos apontar pelo menos duas razões: em primeiro lugar o conceito de “evangélico” se esgarçou tanto que já não sustenta nada. Em outras palavras, cabem tantas formas diferentes de crenças e cultos debaixo desta rubrica que ela já não designa claramente nada. A Igreja Universal do Reino de Deus se diz evangélica e a Igreja de Confissão Luterana faz a mesma coisa, mas não há sequer um aspecto em que estas duas comunidades se toquem. A segunda está muito mais próxima da Igreja Católica Romana, ao tempo que a primeira está mais próxima do Espiritismo Kardecista, dois grupos que estão fora do mundo dito evangélico. Imaginem a confusão disso tudo...
Em segundo lugar, durante o último quartel da década de 90 a igreja evangélica passou por uma fase de “profissionalização marketeira” de seu clero e de suas instituições, ou seja, as comunidades locais começaram a ser vistas como “um negócio”, “um empreendimento” e os números começaram a se tornar mais importantes do que o conteúdo da pregação e do ensino. Na verdade, a pregação e o ensino começaram a ser vistos como meios para alcançar os cobiçados números (freqüentadores e receita). Em face disso os discursos começaram a ser cada vez mais sobre a vida aqui e agora, ao passo que o céu foi sendo deixado para um segundo plano. Muitos pastores se converteram em gurus de auto-ajuda, e as liturgias foram dirigidas para promover motivação mais do que adoração. O que funciona em muitos aspectos, mas representa uma ruptura com um cristianismo histórico que os referidos líderes dizem estar vinculados.
O fato é que mais do que nunca nós precisamos relembrar as palavras de Humerto Rohden, que nos ensinou que mais importante do que ser cristão (ou evangélico) é ser crístico. Mais do que crer no que Jesus ensinou, urge viver como ele viveu. O Brasil é uma terra de liberdade religiosa e de muito sincretismo, devemos ter a liberdade para dizer que nós não fazemos parte deste ou daquele movimento, sobretudo quando a agenda dos interesses destes se afastou de nosso ideal de espiritualidade.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org

quinta-feira, novembro 16, 2006

15 anos de Ministério Pastoral
No dia 09 de março de 1991, no templo da Igreja Presbiteriana de Catende, durante culto festivo, presidido pelo Rev. Eliseu Siqueira, então presidente do Presbitério Sul de Pernambuco, fui ordenado ministro do Evangelho. Eu tinha acabado de fazer 23 anos e havia sido designado pelo concílio para pastorear a comunidade onde estava recebendo a sagrada ordem de presbítero. Havia no templo superlotado representantes de diferentes igrejas onde eu já havia trabalhado como seminarista: Congregação da Vila Cardeal Silva e Igreja Presbiteriana de San Martin (1987 e 1988); Igreja Presbiteriana de Barreiros (1989) e a Igreja Presbiteriana da Madalena (1990) fretou um ônibus para que os irmãos mais achegados pudessem estar presentes.
Eu e Claudicéia havíamos nos casado no dia 02 de dezembro de 1989 e não tínhamos filhos. Ela fez grandes renúncias pessoais e profissionais para me acompanhar no ministério. Permaneci em Catende por dois anos, foram anos extraordinários. O Senhor enviou uma unção muito especial sobre a minha vida. Naqueles dois anos a nossa comunidade foi a que mais cresceu em todo o Sínodo Central de Pernambuco, o que acabou trazendo alguma notoriedade para o que estava acontecendo ali. Foram surgindo convites para pastorear outras igrejas, e no final de 1992 eu aceitei concorrer ao pastorado da Igreja Presbiteriana de Afogados, na capital pernambucana. Foi a decisão mais difícil da minha vida, ainda que não tenha sido a mais importante. Foram três dias de jejum e oração para que o Senhor me revelasse a sua vontade. A tristeza em Catende era tão grande que não parecia que eu deixaria o pastorado, mas sim que eu (ou a igreja) morreria.
No início de 1993, em cerimônia presidida pelo Rev. Henrique de Lima Guedes, então presidente do Presbitério do Recife, tomei posse como pastor da comunidade que, anos depois, passaria a se chamar Igreja Presbiteriana do Largo da Paz (era muito complicado explicar pelo Brasil, em minhas centenas de viagens, porque a igreja se chamava “de Afogados”). O meu período no Largo da Paz, dez anos, foi contraditório. Alcancei reconhecimento nacional como um dos jovens ministros de destaque, mas a igreja não cresceu nem sanou os seus mais pungentes problemas. Olhando para trás, passados alguns anos, percebo que me dividi demais, aceitando convites e eleições para cargos eclesiásticos. Assumi a função de professor em diferentes seminários no Recife, comecei a lecionar em mais de uma faculdade. Não sobrava tempo para pastorear. Que o Senhor me ajude a não cometer este mesmo erro novamente!
A minha atuação como político eclesiástico (várias vezes eleito presidente do Presbitério do Recife e duas vezes presidente do Sínodo Central de Pernambuco) e como professor de Teologia caminhavam de mãos dadas. Havia uma espécie de mútua sustentação, mas em ambas as esferas enfrentava fortíssimas resistências, vindas das camadas mais conservadoras da igreja, que no caso da IPB é predominante. Vi com muita tristeza o fundamentalismo crescer novamente nos arraiais presbiterianos. Resisti à reinstalação da miopia puritana, farisaica e beligerante, na liderança da igreja de meus bisavós, mas não logrei êxito. Hoje, digo isto como um lamento, a Igreja Presbiteriana do Brasil, enquanto denominação e estrutura eclesiástica nacional está longe do que já foi no passado, conquanto existam inúmeras comunidades locais e pastores vivos e vibrantes, a denominação é marcada por uma burocracia jurássica.
Os meus olhos começaram a se abrir para o fato de que aquilo que eu julgava ser o caminho da redenção da IPB (a articulação política denominacional) era a sua principal enfermidade. Tudo ganhou contornos indeléveis no processo de eleição ao pastorado da Igreja Presbiteriana da Madalena, no final de 2001. Aquela era a comunidade onde eu passara a infância e adolescência, tinha sido convidado para concorrer à sucessão do Rev. Edijece Martins pelo próprio pastor, que a liderara com honra e brilhantismo por mais de três décadas. Mas as forças do legalismo e do retrocesso se fundiram em todo o país para que eu não ocupasse aquele púlpito. Naquele ano não houve um eleito, ainda que tenha havido eleição. No final de 2002 tudo se repetira, só que desta vez cumulado de covardia e mentira. Perdi a eleição para o Rev. Lutero Rocha, o qual não suportaria mais do que dois anos à frente da Madalena, vindo a renunciar ao seu mandato no final de 2004.
Voltemos aos últimos três meses de 2002. Eu era o secretário nacional de mocidade da IPB, presidente do Sínodo Central de Pernambuco, professor de Teologia Sistemática do Seminário Presbiteriano do Norte, mas um pastor em colapso. Tinha dificuldades em acreditar nas pessoas e instituições, pensei seriamente em me dedicar à carreira advocatícia e me afastar das igrejas (não da Igreja) que me haviam machucado tanto. Foi quando soube da desvinculação da Catedral da Santíssima Trindade e de seu pastor, o Rev. Paulo Garcia, da Igreja Episcopal Anglicana (soube no dia em que estava sendo examinado na Madalena). Liguei para o Pr. Paulo e me solidarizei com ele por sua decisão e coragem. Pouco tempo depois ele soube que eu havia perdido a eleição na Madalena e me convidou para que conversássemos. Foi assim que surgiu o convite para conhecer melhor a Catedral e a Igreja Episcopal Carismática.
Durante o ano de 2003 continuei pastor presbiteriano, ocupando todas as funções que eram de minha responsabilidade, menos o pastorado do Largo da Paz, o qual deixei após ter presidido o processo de eleição que levou ao púlpito daquela comunidade o Rev. João Fonseca. Lá na Catedral conheci melhor aquele que viria a ser sagrado Bispo de nossa denominação, Dom Paulo, bem como o Rev. Alexandre Ximenes e aos milhares de irmãos e irmãs que compõem aquela dinâmica célula de expansão do Reino de Deus. O misericordioso Senhor foi tratando de mim durante aquele ano. Minha última experiência na IPB foi receber a honra de ser paraninfo dos formandos de 2003 (já havia recebido a mesma distinção em 2002). Em dezembro de 2003 pedi exoneração de minhas funções na IPB e disse a o Bispo que estava pronto para receber as ordens em sucessão apostólica, o que de fato aconteceu nos primeiros dias de 2004, no templo da Catedral da Santíssima Trindade, tendo Dom Paulo como pregador e o Rev. Ximenes como mestre de cerimônia.
O ano de 2004 foi riquíssimo. Encontramos um perfeito entrosamento entre os pastores na Catedral, tudo fluía como se tivéssemos toda a nossa vida trabalhado juntos, éramos de fato um time. A imprensa local se referia aos pastores da Catedral (somada a presença do Rev. Caio Fábio) como o Real Madri dos púlpitos evangélicos. Foi um período de muito aprendizado. Eu posso dizer que mais do que ter estudado com Dom Paulo e Rev. Alexandre eu os estudei. Prestava atenção a tudo que eles diziam, mas, sobretudo, ao modo como diziam e àquilo que eles não diziam. Neste ano tive contato pessoal com grandes nomes do cenário cristão nacional e internacional, que eram convidados para ministrar aos alunos do Seminário Teológico Episcopal Carismático, que eu havia ajudado a fundar.
Quando soube que o Rev. Edgar Batista iria ser designado para o campo de Carpina, procurei o Bispo para lhe falar sobre o meu desejo de ser o pastor da juventude da Catedral. Foi quando ele me disse que seus planos para mim eram outros. Queria que eu auxiliasse o Rev. Caio na implantação de uma comunidade na Zona Sul de Recife, especificamente no bairro de Boa Viagem. Eu havia tomado a decisão de aceitar quaisquer que fossem as diretrizes estabelecidas por Dom Paulo, mas confesso que fiquei preocupado. Temia perder aquela amizade e proximidade que tanto estavam me edificando, já me sentia em casa na Catedral, era amado e respeitado por membros e funcionários da igreja, mas obedeci.
Após a trágica morte de Lucas, filho do Rev. Caio, ele decidiu não mais vir para o Recife, contudo, o projeto já em andamento de uma Paróquia em Boa Viagem continuou. Reuni um grupo de não mais que dez casais, começamos a esboçar o que viria a ser a nossa comunidade. Claudicéia preparou e mandou confeccionar todos os objetos litúrgicos, desde as estolas aos cálices. No dia 28 de julho, no auditório mais do que lotado do Mar Hotel, começou a funcionar a Paróquia da Reconciliação (este nome foi idéia de D. Márcia Garcia, esposa de nosso Bispo), eu preguei sobre o texto: “ele nos deu o ministério da reconciliação”, II Cor. 5:18. O primeiro culto dominical ocorreu no dia 01 de agosto e o pregador foi o Rev. Caio Fábio. Eu estava esperando uma audiência de umas cem pessoas. Como Claudicéia insistiu muito eu mandei fazer duzentos boletins e me programei para enviar pelo correio os exemplares que sobrassem. Para a glória de Deus havia mais de quatrocentas pessoas em nosso primeiro culto e de lá pra cá nunca houve um domingo em que este número não tenha aumentado.
Hoje a Reconciliação congrega mais de oitocentas pessoas todos os domingos e é um presente de Deus para esta cidade... mas a história da Reconciliação eu conto outro dia.
Obrigado Senhor por tua misericórdia e fidelidade!

Com emoção,

Martorelli e Claudicéia Dantas

terça-feira, novembro 14, 2006


Conte Comigo

Eu sempre fui um defensor da edição da Bíblia na Linguagem de Hoje. Desde a década de 80, quando ela foi lançada eu sempre fiz uso dela e a recomendei aos meus alunos e paroquianos. Isso não apenas porque o seu vocabulário é mais fácil e simples, mas também porque esta tradução da Bíblia é confiável e de excelente qualidade. Contudo, uma das maiores virtudes da BLH é a construção poética que nela encontramos. Um exemplo disso está na tradução do texto do Evangelho de Marcos, capítulo 5, versículo 36. As traduções antigas trazem algo mais ou menos assim: “não temas, crê somente”, a tradução na Linguagem de Hoje diz “não tenha medo, tenha fé”. A forma direta e contundente de se dizer isso, naquele contexto de drama e dor, amplia a beleza e o poder das palavras de Jesus àquele pai angustiado.

É por esta razão, que muitas vezes eu me pergunto como Jesus diria uma determinada frase se estivesse hoje conosco. Um dos versículos que me são mais caros no Novo Testamento é a promessa do Mestre: “eis que eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”. Como será que ele diria isso hoje? Creio que seria algo simples e poderoso como “conte comigo”; “conte comigo aconteça o que acontecer, em todos os dias da sua vida”; “conte comigo, na alegria e na dor, na vida e na morte, na sorte e na desventura”, simplesmente “conte comigo”.

Vivemos em um mundo em que cada pessoa conta só consigo. Nunca estivemos tão sós. Nunca o individualismo foi uma categoria de pensamento tão predominante. Todos os dias eu me policio para que os meus planos para o futuro não sejam só para mim, que eles incluam minha esposa, meus filhos, meus irmãos e amigos, mas é como se eu tivesse que lutar contra uma força que habita em mim e que constantemente me convida para pilotar o meu avião-caça, cuja cabine cabe só a mim e cujo plano de vôo interessa somente a mim. Precisamos que o Espírito continue operando em nós a sua obra de conversão e de transformação, desta feita, fazendo com que nos voltemos para fora de nós mesmos, capazes de sincera e profundamente nos preocuparmos com os outros, seus medos e necessidades, desilhando o nosso coração para transformá-lo em um continente de solidariedade e amor.

A verdade é que não precisamos fazer muito, não precisamos transformar as nossas casas em abrigos para idosos, abrir uma creche e nela acolher todas as crianças carentes da vizinhança ou deixar os nossos empregos para nos dedicarmos à recuperação de drogados ou de crianças com câncer. Tudo isso é necessário e extraordinariamente meritoso, mas não é pra todo mundo, nem mesmo para todos os cristãos. Bastaria que nos dispuséssemos a algo mais simples, mais imediato, mais acessível a qualquer um... dizer às pessoas que estão próximas a nós, que estão abatidas, tristes, ou desesperadas a divina frase: “conte comigo”. Qualquer um pode dizê-la e todos nós precisamos ouvi-la. Não há ninguém neste mundo que não seria mais feliz se soubesse que, de fato, tem com quem contar.

Tenho a impressão que aí está a cura para todos os males, para as mais graves mazelas da sociedade contemporânea, mais relevante que a cura da AIDS e dos tumores malignos, capaz de promover a paz no Oriente Médio, aplacar a fome na África e por um fim às favelas da América Latina. Creio que o mundo precisa urgentemente (re)descobrir o poder que tem o “conte comigo”, como expressão de solidariedade, de amor, de respeito, de compreensão. Quem sabe este movimento poderia começar aqui e agora, comigo e com você levantando-nos e dizendo com verdade e carinho às pessoas que estão à nossa volta: “conte comigo”. É possível que não víssemos todos os males do mundo sendo resolvidos diante de nós no momento em que terminássemos de pronunciar a frase, mas ali diante dos nossos olhos, ao alcance de nossas mãos, estaria uma pessoa mais feliz. Além disso, do lado de cá da relação estaria alguém que, finalmente, estaria seguindo os passos de Jesus, vivendo como ele viveu, tratando as pessoas como ele tratou.

Termino este texto lembrando a você que o Rabino da Galiléia nos fez uma promessa e as suas promessas são verdadeiras. Se você estiver se sentindo triste e só, sem esperanças ou forças, cansado demais para continuar tentando ser feliz, creia que ele está ao seu lado sussurrando aos seus ouvidos “conte comigo”.

Conte comigo!

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quinta-feira, novembro 09, 2006

Eu, Um Cliente Chato


Nesta semana eu fui um dos pregadores no culto ecumênico de formatura de uma turma de arquitetura da UFPE, a turma de Bruno, filho de Robervan e Francisca. Em minha prédica ocorreu-me fazer uma metáfora entre algo que os novéis arquitetos iriam encontrar com relativa regularidade em sua carreira e algo que Deus tem que lidar todos os dias, os clientes chatos. Refiro-me dos chatos de verdade e não daqueles ligths dos quais fala o Oswaldo Montenegro, que é o cara a quem você pergunta “como vai?” e ele passa duas horas respondendo a esta pergunta que era apenas uma forma de cumprimentá-lo; é aquele aquém você diz “passa qualquer dia desses lá em casa” e no dia seguinte ele está lá, às 7:30 da manhã.
Refiro-me ao chato de verdade, aquele que chega com mil elogios, dizendo que acredita na sua capacidade e em seu talento para colocar no papel o sonho que ele tem em sua alma, mas que pedem apenas um pequeno favor... que o deixem assistir silenciosamente enquanto o profissional de arquitetura faz a sua obra. Este, ainda que constrangido, concorda. Não quer decepcionar quem sabe o seu primeiro cliente, mas logo se arrependeria.
Tudo começa quando ainda o arquiteto está colocando os primeiros traços no papel. O cliente observa, não está entendendo o significado daquilo e diz que não está gostando. O arquiteto pacientemente pede para que tenha paciência, pois ele está apenas começando o seu trabalho. Meia hora depois, quando o profissional traçou os elementos básicos de seu projeto, o chato pede licença para ser franco e afirma que quer ser sincero com seu amigo e diz: “eu não estou mesmo gostando, eu quero uma casa bela e inovadora, mas você está traçando apenas uma caixa sem muito brilho”. Mais uma vez, o nosso herói comenta, “eu estou no meio da obra, você não pode tirar conclusões apressadas, ainda estou estruturando o desenho, dá pra você esperar mais um pouco para fazer seus julgamentos?”
Parece que as coisas andam bem, quando, passadas mais meia hora, o chato, não suportando mais afirma: “talvez seja melhor você parar, eu não estou gostando mesmo, com a licença da palavra, está ficando mesmo uma droga tudo isso”. “É a última vez que eu lhe peço para esperar eu chegar até o fim, por favor, fique sentado e em silêncio, espere que eu conclua o trabalho”. Você acha que já viu tudo, quando para lhe torrar completamente, findo o projeto, o chato olha para ele com brilho nos olhos e diz: “bem que eu disse que ia ficar ótimo!”
Deus tem enfrentado estes chatos todos os dias. Muito provavelmente eu e você sejamos um destes “clientes” insuportáveis. Estamos o tempo todo desgostosos com aquilo que estamos vendo e vivendo em nossa experiência. Ainda que não estejamos dispostos a confessar, frequentemente, rejeitamos a nossa vida e os acontecimentos que nela se dão. Dizemos a Deus que não estamos entendendo o que ele está fazendo conosco e pedimos para que ele mude a sua obra em nossa história. O Criador, com grande longanimidade, observa a nossa impaciência e falta de fé e tenta nos dizer por todas as formas possíveis: “Calma, eu ainda não acabei. Estou apenas começando a minha obra em sua vida”.
Creio que a confiança em Deus, em sua fidelidade e provisão, é o caminho para uma vida segura e em paz. No meio de tantas incertezas o Senhor nos oferece a possibilidade de caminharmos em comunhão com o seu Espírito, único modo de manter o medo do lado de fora de nossas almas, enquanto enfrentamos os nossos inimigos e às adversidades tão comuns aos mortais.

terça-feira, novembro 07, 2006



Como o mundo era grande quando eu era pequeno...

A maior casa do planeta era a casa da minha avó Cícera, no bairro da Várzea. Tinha milhares de hectares, um riacho passava no meio do quintal, havia galinhas, patos, cachorros... isto sem falar de uma infinidade de insetos de todas as cores e formas, a desafiar as minhas habilidades de caçador e, devo confessar, de médico legista. Como eu ficava feliz de ir pra lá. Quando meus pais viajavam e iam colocando os quatro filhos cada um na casa de um parente, eu já tinha destino certo. Mas assumo que nem era pela casa propriamente, era pelo quintal. Vovó precisava me chamar gritando para entrar e almoçar, pois eu não queria descer das árvores. Pra quê comer feijão e arroz se tem pitanga, jambo, banana, coco verde, mamão e manga... muita manga?
Minha avó é um doce de pessoa, hoje com quase cem anos, ela sempre soube me compreender. Sabia que eu queria me sujar, correr com os meus amigos, viver aventuras. Ah! Também tenho saudades da Barraca de Viana, onde eu podia comprar o que quisesse só dizendo que era filho de Hélio... Hélio de Seu Olegário. Quantas tardes sem fim passei entre aquele quintal e o campinho de futebol que ficava lá pras bandas da casa de Tia Lenira. Havia dois mundos imensos, um ao meu redor, outro dentro de mim, morando nas minhas fantasias e sonhos, que eram aquecidos pela vida simples espalhada por toda parte.
Uma das coisas mais tristes em crescer é que os nossos mundos vão diminuindo. A razão e a observação vão tomando o lugar do olhar criativo, capaz de inventar o cenário no próprio ato de enxergar. Nós vamos avançando na vida e nos tornamos menores na capacidade de apreciar pequenas experiências. Com o tempo vamos ficando tímidos e insensíveis. Não dá mais vontade de correr atrás de uma bolha de sabão e de voar, se for preciso, para alcançá-la a trinta ou quarenta metros do chão. Vai batendo aquela preguiça de enfrentar piratas e bandidos de todos os tipos, armado unicamente com um pedaço de cabo de vassoura, partido especialmente para se converter em uma espada, com poderes mágicos de fazer desintegrar o adversário com o mais leve toque. Tudo vai ficando tão real... tão pobre.
Eu trocaria sem pestanejar uma semana de adulto por uma tarde de criança. Quando eu era pequeno planejava que quando ficasse grande e tivesse meus filhos eu iria brincar o dia inteiro com eles, mas não dá. Agora eu sou adulto e adulto é cego e surdo. É incapaz de perceber a diferença entre uma caixa de fósforos e um edifício repleto de soldados alemães que precisamos derrotar com um exército de tampas de garrafa. Como eu não consigo ouvir o que dizem as bonecas de Thainá e que ela escuta tão claramente que é até capaz de pedir pra elas falarem mais baixo “porque painho está estudando”? Estou perdido! Sou irremediavelmente adulto.
Hoje, lamentavelmente, vou pouco à casa de minha avó. Talvez pelo desconforto de ver um quintal, comparativamente, tão pequeno. Lembro de ter perguntado a meu pai se tinham vendido parte do terreno. E ele, como se adivinhasse meus pensamentos, respondeu que não, que aquele quintal era do mesmo tamanho desde o tempo em que ele mesmo era menino. Mas o fato é que ele foi mais criança do que eu naquele lugar, e, quem sabe por isso, tenha absorvido mais dos seus encantamentos. Eu já era adulto aos 14 e meu pai uma criança aos 40. Há muito dele dentro de mim, mas é como se eu não pudesse deixá-lo fluir, sob o risco de fazer traquinagens demais.
Um dia ainda vou ter coragem de parar o meu carro no meio da chuva ao lado de um grande e belo telhado de zinco, fazer descer Thiago e Thainá e vou tomar banho bica com roupa e tudo ao lado deles. Não faz muito tempo que chamaram Claudicéia na diretoria do colégio, porque Thiago tinha se molhado todo num fiozinho de água que caía do telhado da escola. Ainda bem que foi Claudicéia, porque se fosse eu tinha brigado com ele: “Thiago, isso é bica onde você tome banho meu filho? Respeite a tradição da família e só tome banho em bica boa”!
Tão pouco já nos fez tão felizes. Tanto só nos tem permitido viver. Alguém aí empina papagaio?

Com carinho,

Martorelli Dantas


Coisas idiotas pra rir mais que pensar

1 - Quando as coisas ficarem muito complicadas, seja simples.

2 - Quando não houver nada a fazer, não faça nada e descanse.

3 - Compre sempre menos do que você precisa. Você nunca precisa mesmo de tudo que compra.

4 - Quando quiserem lhe obrigar a andar um milha, pergunte: por quê? Se não lhe responderem, pergunte: por onde?

5 - Rir nem sempre é o melhor remédio, às vezes é só um jeito de esconder a doença.

6 - Se ganância fosse virtude, banqueiros e corruptos seriam santos.

7 - Pensar se terei amanhã é inútil. Amanhã eu não serei.

8 - A melhor forma de fazer dieta é não sentir fome. Para não sentir fome coma sempre. Se você não perder peso, vai ganhar vida. Mas coma devagar...

9 - Seu risco não é torto, os outros é que são tortos em relação a ele.

10 - Quando eu penso em tudo que eu tenho pra fazer me dá uma preguiiiiiça..., aí eu penso noutra coisa.

11 - Se alguma coisa ruim tem que acontecer na sua vida, pra que se preocupar coma ela? Se você pode evitá-la, pra que se preocupar com ela?

12 - Você já se perguntou por que todas as coisas nesta vida têm que terminar? Nem tudo. A gente nunca termina de fazer esta pergunta.

13 - Se soubesse todas as coisas que irão acontecer na minha vida, eu mudava tudo só por implicância.

14 - Só tem uma coisa mais insuportável do que música brega, é gente que gosta de música brega.

15 - Para viver bem é preciso pensar pouco. Ser sábio não é viver num emaranhado de pensamentos, é agir com sabedoria.

16 - A melhor maneira de lidar com as obrigações é por nelas uma fantasia de diversão.

17 - A questão não é resistir à vontade é mudá-la.

18 - Quando eu acordo e não sinto vontade de caminhar, eu simplesmente me levanto e penso nas razões pelas quais eu não deveria caminhar. E faço isso caminhando.

19 - Se você quer saber o que Deus pensa a respeito do que você está fazendo com as pessoas, pergunte a elas.

20 - Eu só sinto pena de quem sente pena de si mesmo.

21 - Não adianta esperar que as pessoas lhe tratem como tratam todo mundo. Você não é como todo mundo, mas todo mundo é como você.

22 - Deixar de fazer ou dizer alguma coisa por medo de parecer medíocre é a coisa de gente medíocre.

23 - Falar tudo que pensa é irresponsabilidade, sinceridade é só falar aquilo que pensa.

24 - Para não se arrepender depois de comprar, se arrependa antes de comprar.

25 - Existem dois tipos de pessoas neste mundo, as que sabem que são idiotas e as que não sabem. Eu sei.

A minha idéia é escrever 365 pensamentos idiotas. Ih!! é melhor só escrever 364.

Com carinho,

Martorelli Dantas


Tempus Fugit: a arte de saber viver

Em muitas casas, no passado, havia um móvel cuja função era ser um guardião do tempo, refiro-me aos relógios de carrilhão, capazes de marcar as horas com seu canto de passagem e até mesmo os minutos com um tic-tac tão sonoro que se podia ouvir durante todo o dia, particularmente no silêncio da noite. Um antigo mestre, Rubem Alves, costuma dizer que estes relógios, bem como todos os demais, falam conosco, dizem: tempus fugit, o tempo foge, escoa, escapa por entre os nossos dedos. Quanto mais eu vivo, mais me convenço de que isto é verdade.
Posso dividir a minha vida em duas fases: a primeira, em que as pessoas me diziam: “você é novo demais pra isso...” e a segunda, em que elas me dizem: “você não vê que já está velho demais pra isso...”. Aí não há como evitar que bata uma angústia. Será que nunca estamos prontos para os desafios da vida? Será que haverá sempre uma inadequação entre a maturidade/capacidade que as pessoas percebem em nós e aquilo que a vida demanda?
Eu, de minha parte, jamais liguei para estes “alertas”. Aprendi que eu estou no ponto para viver o dia de hoje! Fiz sempre o que as pessoas não queriam que eu fizesse por ser novo demais e almejo, um dia, me tornar um velho que escandalize até mesmo os meus melhores amigos, fazendo o que não se faz em “certas idades”. O meu compromisso é com a vida e não com a conveniência; com a verdade que se coloca diante dos meus olhos e não com o consenso; com o amor ao próximo e não com o aplauso do próximo. Não quero ser coerente, eu não posso ser.
Eu nasci do ventre de minha mãe sozinho e um dia partirei para o ventre da mãe-terra igualmente só, portanto levo a vida com os outros e não para os outros. Quero expressar respeito e carinho, mas não submissão e passividade. Não exijo que ninguém ande comigo, nem que concorde com o meu modo de caminhar. Peço apenas que me respeitem e que me compreendam como um homem fazendo escolhas, as suas escolhas, que é o único modo de se viver.
O Senhor me ensinou que a melhor maneira de existir é viver plenamente este fugidio momento que se chama presente, o dia de hoje. O presente é um presente de um Deus presente. Eu preciso torná-lo único, especial, memorável. Para isso, faz-se necessário que eu me desvencilhe do passado. Quero olhar para trás sem mágoas e ressentimentos. Distribuo prodigamente o perdão, a minha “luta não é contra a carne e contra o sangue”, não é contra as pessoas, mas contra idéias, posturas, atitudes e estas foram já não são. Não há porque lutar hoje contra o que só existiu ontem.
Também não sou um cruzado, empreendendo “guerras santas”. Deus cuida de si e do que é seu. Se a terra é santa, o é porque Ele a guarda, não eu. A única terra sacrossanta que me foi confiada é o meu próprio coração. Que nele não habitem os ídolos da vaidade, da arrogância, da auto-suficiência; que nele não se erijam altares para a ilusão das riquezas, à opulência mentirosa dos títulos e patentes, à maligna petulância piegas que despreza o abraço e o sorriso.
Até hoje nunca vi um soldado-raso prestando continência pra túmulo de general. Os mais belos, os mais sábios, os mais fortes, os mais ricos, os mais virtuosos entre nós, cedo ou tarde, vão virar refeição de tapuru. Mas também não me preocupo com eles. Que esperem muito por mim, porque hoje estou ocupadíssimo vivendo. Quero amar minha mulher debaixo dos nossos lençóis, viajar com meu filho, dançar uma valsa com minha filha, sorrir muito de estórias idiotas com meus amigos, chorar lendo um poema de Drummond, rever velhos filmes, ouvir Chico e quedar-me silencioso ante a beleza inexprimível de um crepúsculo no sertão. Isto é vida, o resto são coisas que fazemos enquanto estas não vêm.
Também aprendi a arte de travestir de prazer tudo que se chama obrigação. Quando os professores exigem que leia pilhas de textos sobre assuntos desinteressantes. Eu brinco com os livros, rio deles, chamo-os para passear comigo. Às vezes penso que sou capaz de me divertir lendo até lista telefônica. Nada é impossível pra quem tomou a decisão de rir, sobretudo de si mesmo e de suas inúteis e efêmeras construções. Quando estou preparando um sermão ou escrevendo um texto como este, não penso nas transformações que eles podem promover na vida das pessoas. Sinto a alegria terna e simples de fazer, de pré-parar, como uma mulher que sente tanto prazer em se vestir para o amor como em amar propriamente.
Também aprendi a fazer do futuro o meu melhor amigo. Quando penso sobre ele só vejo coisas boas. Não antevejo nem a ruína nem a dor. Se estas me sobrevierem me tomarão de surpresa. Quero que seja assim. Não vou, como já vi muitos, me preparar para o que não quero viver, pois fazê-lo seria um modo de lhe invocar. Ansiedade não é pensar no futuro, é sofrer com o futuro, mas o meu futuro não me faz sofrer, posto que é meu amigo. No futuro eu sou sábio e magro, amado e amante, mestre e aprendiz. Não sou rico, porque ser rico dá muito trabalho.
No futuro eu morro, que morrer não é ruim, é só uma viagem que nos “convidam” a fazer antes da hora, e eu embarco em sua nau cheio de curiosidade. Deixo pra trás meus amigos e inimigos chorando, estes por nunca terem me pegado, aqueles por nunca terem me perdido.

Com carinho,

Martorelli Dantas

Miopia e Astigmatismo

Creio que você já ouviu falar destas disfunções do aparelho visual. A miopia, explicada de forma excessivamente simples, é a dificuldade de ver aquilo que está longe e o astigmatismo de ver o que está perto. Estas enfermidades podem se dar por diferentes razões e diferentes graus. Há aqueles que padecem por causas congênitas e aqueles que desenvolvem de modo personalíssimo. Já ouvi dizer, inclusive, que perto dos 40 anos a maioria das pessoas tem dificuldades em enxergar nitidamente aquilo que está próximo de seus olhos, como se fosse uma dificuldade para focar o que está bem diante dos nosso olhos. É aí que nos fazem falta braços mais longos J.
As dificuldades físicas podem ser, quase sempre, facilmente resolvidas através de óculos, lentes de contato e outros artifícios médicos, mas e quando a miopia é da alma e o astigmatismo é do coração? É... a alma e o coração não apenas podem padecer destes males, como também podem chegar a cegar completamente. Também há diferentes graus de miopia e astigmatismos na sensibilidade humana. Creio, de fato, que há um equivalente existencial e espiritual para todos os sentidos humanos, bem como enfermidades próprias. Contudo, o que seriam miopia e astigmatismo na dimensão existencial?
Miopia existencial é a incapacidade (ou dificuldade) de enxergar, perceber, valorizar aquilo ou aqueles que estão longe. É o caso, por exemplo, de quem olhando para o futuro não vê qualquer saída, qualquer perspectiva de vitória, de crescimento, de solução. E isto acontece, via de regra, como reflexo da dificuldade de olhar para o passado e lembrar quantas vezes situações difíceis e aparentemente sem saídas foram vencidas. Se todos nós fôssemos capazes de manter o foco de tudo quanto Deus já fez por nós, de todas as oportunidades em que Ele nos livrou, proveu aquilo que nos era necessário, dificilmente seríamos ansiosos em relação ao futuro. Não é por outra razão que o profeta diz “quero trazer à memória aquilo que pode me dar esperança” (Lamentações de Jeremias 3:21).
É miopia também a atitude daqueles que só conseguem ver o momento presente, o instante presente, esquecendo-se que é preciso “poupara para o futuro”. A figura aqui não pretende ser econômica, mas continuamos em trilhas da existencialidade. Nada é de graça nesta vida. Quando não se paga com dinheiro, se investe tempo, energia, expectativas. Enfim, cada um precisa pagar o preço das escolhas que faz (e às vezes a vida cobra com juros). É necessário que sejamos sábios no uso das palavras e no exercício de quaisquer atividades que realizemos, lembrando que elas não ficam sem conseqüências. Elas constroem realidades e tecem destinos. O amanhã sempre nos chama para um ajuste de contas. É natural que colhamos aquilo que plantamos e não uma espécie diferente daquela que semeamos.
E o astigmatismo existencial? É a dificuldade de ver o que está perto, de dar valor àquelas pessoas que estão à nossa volta, de ver no “aqui e agora” a mão de Deus agindo em nossas vidas. Assim como no mundo físico, há mais pessoas com astigmatismo espiritual do que com miopia. É comum que o nosso cônjuge (e seus sentimentos) esteja tão perto de nós que não o vejamos. Parece contraditório, mas é exatamente isso, não vemos porque está perto demais. E os nossos filhos... vemos os seus corpos, seus quartos, seus brinquedos e até tropeçamos neles, mas será que enxergamos os seus corações? Será que conseguimos escutar a voz que fala a sua alma, se nem mesmo temos tempo para ouvir o que sai de suas bocas? Ah se você soubesse como dói estar perto e não ser visto! Como entristece e machuca estar do lado de alguém e mesmo assim perceber que este alguém, emocionalmente, está cego e não nos dá valor.
Eu conheço bem uma pessoa que sofre este problema. Ele me diz com freqüência que uma de suas maiores tristezas é o fato de que os homens, mesmo os mais sensíveis e cordatos, não o enxergam. Esta é a queixa de Deus. O problema não é que Ele seja invisível, a questão é que os olhos que nos deu para que o víssemos estão cegos (ou gravemente doentes). Ele faz gestos, nos sacode, grita por nós, mas nós não o vemos. Continuamos levando as nossas vidas como se Ele não existisse, como se não estivesse perto de nós.
O que poderíamos fazer para tratar nossas doenças? No livro de Apocalipse (3:18) Jesus nos fala de um colírio que se for aplicado sobre os nossos olhos nos torna capazes de ver tudo. Quem sabe o Senhor não nos unja hoje com este bálsamo óptico, nos estamos precisando. Vamos orar por isso.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org

1º de janeiro de 2006(b)

Eu sempre fiquei entusiasmado com a aproximação do fim do ano. Sou daqueles que tomam um pedaço de papel e anotam todas as extraordinárias mudanças que se darão em sua vida no próximo ano. É impressionante a motivação que enche o meu coração neste período, admira-me a certeza que me acomete de que tudo isso assim será. É uma espécie de sensação mágica que invade o nosso imaginário e enternece os nossos corações, fazendo-nos não apenas mais fraternos como também mais esperançosos.
Acontece que, em minha opinião, ainda falta muito pra o final do ano, e tomei a decisão de antecipar as comemorações. Quero propor a todo mundo que imagine que hoje é o dia 31 de dezembro de 2005(b) e que amanhã será “dia de ano novo de novo”. Quem disse que não podemos? Onde está escrito que não temos o direito de nos dar uma segunda chance? Na verdade, o que eu consigo entender olhando tudo quanto Deus fez é que Ele tem muito prazer em que tentemos novamente. É isto que eu concluo observando o caráter cíclico das estações e da vida. A existência não é feita de “começo, meio e fim”, mas de “começo, meio, fim e recomeço”. Não é por outra razão que a idéia de reencarnação é tão popular na humanidade e está presente em muitas das grandes religiões do mundo (budismo, hinduísmo e nos diferentes tipos de espiritismo).
Aparentemente o homem tem uma convicção interior, que não demanda de muita prova, de que esta vida não é o fim e de que ela é breve demais para ser a nossa “única chance”, daí a doutrina de que há outras vidas após esta. Eu não creio nisto, mas acredito de todo coração de que podemos viver muitas vidas nesta que agora experimentamos, ou seja, que podemos renascer várias vezes antes de morrer, de que somos capazes de nos reinventar, de nos recriar, para usar as palavras de Jesus, de nascer de novo. Creio que é isto que Deus deseja e quer operar em nós, que através de freqüentes e profundos renascimentos nos aproximemos mais dEle e de nossos irmãos, que tenhamos uma melhor qualidade de vida e que aprendamos a ser felizes.
Talvez você creia na reencarnação e pense que o que eu estou escrevendo contraria a sua fé. Sinceramente não é este o meu objetivo. Não quero discutir uma doutrina com você, principalmente esta que você só vai saber mesmo se é verdade ou é mentira depois de morrer. O que eu estou propondo é uma coisa mais simples. Ao invés de ficarmos discutindo sobre as nossas crenças, vamos aproveitar que estamos vivos e vamos viver melhor. Mas como isso é possível? Entendo que foi só isso que Jesus quis nos ensinar e a nossa mente complicada não conseguiu ainda captar. Vamos renascer à meia-noite de hoje, no romper do ano novo. Como faremos?
Em primeiro lugar, vamos vestir uma roupa adequada para o momento, pode ser aquele seu pijama mesmo, mas vista-o com a expectativa de que algo absolutamente extraordinário vai acontecer. Depois, vamos tomar algumas decisões importantes: neste ano novo vou parar de sonhar e começar a agir; vou deixar de ser uma pessoa de boas intenções e me transformar em alguém de grandes ações; vou perdoar a quem eu preciso perdoar, vou pedir perdão a quem eu preciso pedir perdão (que estas coisas não resolvidas dão um “azar” danado); vou dizer a Deus que eu confio nEle e que estou pronto para fazer a mais importante viagem de minha vida, o “Caminho da Vida Feliz”. Mochila nas costas e pés na estrada.
Muitas pessoas pensam que para começar uma fase nova em suas vidas precisam trocar de casa ou apartamento, de marido ou de esposa, deixar de morar com os pais ou com os filhos, mudar de emprego ou de ramo. Em minha opinião isto é só desculpa para não ver a realidade. O fato é que é mais fácil pensar que a culpa por não sermos felizes é dos outros ou das circunstâncias de nossas vidas. A Bíblia nos ensina que o caminho da felicidade é interior e pode ser trilhado sejam quais forem as circunstâncias, na companhia de quem quer que seja. Paulo, por exemplo, conseguiu “viver contente em toda e qualquer situação”. Qual o segredo? Esperança, gratidão, fé e ação! Quem não pode ter estas coisas? Onde elas não são possíveis?
Ah, sim! Eu ia esquecendo... depois de tomar todas estas decisões dê as mãos a alguém e ore com ele. Diga: Senhor, obrigado pelo privilégio de viver este “ano novo de novo”, ajuda-me com a tua graça a renascer em vida e de modo diferente, porque mais importante do que começar de novo é começar de modo novo.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org

P.S.: Se não tiver ninguém com quem orar ligue ou escreva pra mim, eu vou estar acordado.