sexta-feira, agosto 10, 2007

Paternidade X Paternalismo

Há um antigo slogan publicitário que diz ‘não basta ser pai, tem que participar’, mas resta saber o que vem a ser esta participação paternal. Para alguns, implica em cuidar dos filhos, suprindo suas necessidades e estar presente nos momentos mais importantes de suas vidas. Para outros, consiste em ser partícipe dos brinquedos da infância, das alegrias da adolescência e das aventuras da juventude. Talvez seja um pouco de tudo isso, ou quem sabe vá além destas coisas, alcançando limites mais íntimos e elevados da natureza das pessoas. O que é certo, é que os pais de nossos dias não conhecem claramente seus papeis e limites.

Somos inclinados a viver com um sentimento de culpa constante. Como se estivéssemos roubando os nossos filhos quando nos damos ao trabalho, quando nos divertimos com o cônjuge e amigos ou quando investimos em nossos estudos e qualificação profissional. Os filhos se converteram em credores tácitos. São nossos eternos cobradores. O nosso relacionamento passou a se basear num desejo de ressarcimento da impagável dívida que, inexplicavelmente, contraímos com eles.

Cumpre investigar as causas emocionais e psicológicas deste sentimento. A primeira hipótese a ser visitada é a de que o modelo de paternidade que recebemos de nossos próprios pais é em tudo mais elevado que aquele que conseguimos por, efetivamente, em prática. Daí que comparando o que foram para nós os nossos pais e o que somos nós para os nossos filhos, é que chegamos à conclusão que somos e damos menos dos que recebemos. Dificilmente eu poderia aceitar esta tese. Os pais da década de 60 e 70 eram muito menos sensíveis às demandas dos filhos do que somos hoje, falando de um modo genérico. Sua participação no dia-a-dia dos filhos estava muito mais ligada ao exercício de disciplina e punição que ao diálogo e gestos de ternura.

É deste ponto que podemos partir para uma segunda hipótese. A de que tendo recebido pouco em termos de afabilidade e oportunidade para conversas francas e pacificadas, decidimos que daríamos muito mais aos nossos filhos. Estabelecemos para nós mesmos padrões idealmente construídos aos quais não conseguimos honrar. Seria esta a fonte primária de nosso remorso, de nosso débito para com os nossos filhos. Pesa contra isto, o fato de que devemos ser capazes de readequar expectativas, de calibrar o que esperamos de nós com aquilo que podemos dar. Não seria razoável que toda a nossa geração fosse vítima deste mesmo descompasso entre o compromisso pessoalmente construído e o que entregam concretamente a seus filhos.

Chegamos agora em nossa investigação àquela razão que me parece a verdadeira vilã de nosso drama. Creio que o que a sociedade, inclusive alguns psicólogos e pedagogos, espera de nós é paternalismo e não paternidade. Qual a diferença entre estes dois conceitos? Basicamente eu diria que a paternidade se caracteriza pela doação para que o outro seja, enquanto o paternalismo se estrutura num esforço de ser pelo outro para que possamos lhe dar. O sentimento de débito imenso que vem crescendo em nós, resulta, penso eu, no modelo, inconscientemente aceito, de que devemos oferecer aos nossos filhos nossas mentes e corações para que neles se processem as experiências deles. De tal modo, que a nossa ausência implica, segundo acabamos crendo, no furto da possibilidade mesma de se darem estas experiências.

Em outras palavras, se não brincarmos não há brinquedo; se não estudarmos juntos não há obrigação de estudar; se não estivermos presentes para consolar quando as lágrimas dos desencontros amorosos brotarem, somos os culpados por elas. E os exemplos seguem até a náusea. Tornamos-nos mais essenciais aos nossos filhos do que realmente somos. E o pior é que incutimos neles estes conceitos, dando-lhes o direito de nos cobrarem o que não temos obrigação de lhes dar. Os tratamos como credores e eles aprenderam a nos tratar como devedores e não como doadores. O resultado disso é que eles crescem revoltados, porque não lhes demos o que era “seu direito”, enquanto morremos frustrados e culpados, querendo dar o que temos e o que não temos na ânsia de sermos perdoados.

Hoje é dia dos pais e eu gostaria de convidar os meus colegas genitores a repensarem tudo isso. Carrego em meu coração uma grande gratidão em relação ao meu próprio pai, que sempre foi provedor e leal a mim e aos meus irmãos. Mas ele soube me deixar ao sabor de minhas próprias experiências. Esteve suficientemente distante para que eu pudesse aprender a ser eu mesmo, a gestar no útero de minhas pessoais contradições o sêmen do homem que sou. Que Deus me ajude a dar o mesmo espaço aos meus filhos.
Sem culpa,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org