quarta-feira, abril 16, 2008

Como uma vida espiritualizada pode ajudar a sua carreira profissional

Todos os seres humanos são providos de espiritualidade, bem como de emocionalidade e corporalidade. Negar isso em nossos dias é como deixar de reconhecer que há sol, lua e estrelas no firmamento ou que há os mares, a superfície e a atmosfera na Terra. Como nos exemplos dados, o espírito, a mente e o corpo, mesmo estando intimamente ligados, são diferentes e separados entre si. O corpo é a parte mais evidente do nosso ser e é através dele que temos contato com todas as realidades que nos cercam. É o nosso portal de acesso à vida e, por isso mesmo, digno de cuidados e de honras. A mente, sede de nossas emoções (chamada de psiquê ou alma pelos gregos), é a dimensão do nosso ser que transforma as informações recebidas pelos sentidos em emoções, e estas, por sua vez, nos impulsionam a agir ou recuar diante das situações concretas da existência. Sim, mas o que é o espírito?
O espírito é o elemento de equilíbrio entre estas duas dimensões do ser anteriormente explicitadas. É o elo de comunicação superior entre os seres vivos, um construtor de pontes entre tudo quanto espiritualmente existe, fazendo com que deles nos aproximemos ou afastemos. O espírito não pode ser reduzido em termos racionais ou lógicos, porque gravita numa esfera superior a estas habilidades. Por esta razão que nos afeiçoamos de determinadas pessoas ou as rejeitamos sem sequer conhecê-las; que pais e filhos estão continuamente ligados mesmo separados por quilômetros de distância; que há pessoas que alegram o ambiente quando chegam, enquanto outras trazem consigo um peso inexplicável, como se lançassem uma sombra sobre tudo o que tocam ou falam.
Na década de 90 um psicólogo da Universidade de Harvard, Daniel Goleman, publicou um livro que trouxe uma nova compreensão das relações humanas, com grande impacto sobre a gestão de carreiras e seleção de pessoal. Estou me referindo à obra intitulada Inteligência Emocional. Nele Goleman afirma que mais importante que o coeficiente de inteligência (o nosso conhecido QI), que mede a capacidade de processar informações e resolver problemas lógicos, existe um índice que trata da capacidade de enfrentar problemas como pressão, estresse, angústias e medos, este seria o coeficiente de inteligência emocional. A conclusão a que muitos chegaram desde então é que empresas não precisam tanto de gênios do xadrez ou brilhantes matemáticos, mas, especialmente nas posições de comércio, recursos humanos e marketing, de pessoas equilibradas, capazes de trabalhar em equipe e que contribuam para a solução de crises quando, eventualmente, estas se instalarem.
Seguindo este princípio, creio que seria conveniente falarmos também de Inteligência Espiritual, ou seja, a capacidade de estabelecer um nível de comunicação consigo e com as pessoas que estão ao nosso redor que transcenda a razão e que ajude o próprio universo emocional a se manter centrado. Recentemente os psicólogos vêm chamando a nossa atenção para o que eles chamam de capacidade de resiliência, expressão que vem da física e define a capacidade dos materiais de resistirem a impactos e pressões sem se deixarem deformar, partir ou quebrar. Esta é uma capacidade mais que emocional, creio eu, posto que é uma característica de gestão do próprio mundo emocional, mas que escapa a este. Em minha opinião a resiliência nos seres humanos é uma força do espírito, assim como o é o empreendedorismo e a determinação. Estes são alimentados pela fé que é a capacidade de ver o que não há e de saber, ainda que não haja motivos lógicos que fundamentem esta ciência, que a vitória virá.
Um dos mais recentes livros do guru americano em administração de empresas e carreiras Stephen Covey, chama-se O Oitavo Hábito, é uma espécie de continuação do best-seller Sete Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes. Nele Covey acrescenta aos hábitos emocionais e operacionais que havia elencado em sua obra anterior a capacidade de ouvir a sua voz interior. Este seria, segundo ele, o oitavo hábito. Mas que voz é esta que fala em nosso interior? É a voz do espírito. Não apenas ser capaz de ouvir a voz que fala em nós, mas também a que fala dentro das pessoas que caminham conosco (discernir espíritos, para usar uma expressão bíblica) é um diferencial profissional significativo.
A pergunta é como se pode desenvolver tal capacidade? Em primeiro lugar, é necessário que nos saibamos seres espirituais, que tudo em nós não se resume a corpo e emoções. Depois, é preciso que vejamos a habilidade de nos encontrarmos espiritualmente como algo a ser desenvolvido, tal qual a de falar outros idiomas ou de dominar novas tecnologias. Drummond, o poeta mineiro, foi quem disse que depois do homem realizar muitas viagens intergalácticas e cibernéticas restará a ele a “dangerosíssima* viagem de si a si mesmo, por o pé no chão do seu coração... estará ele preparado?”. Este é, como o são os oceanos, um universo próximo, mas ainda desconhecido para a maioria de nós.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

* “dangerosíssima” é uma expressão inventada pelo poeta (um neologismo), uma brincadeira com a palavra inglesa danger, que significa perigoso. Assim dangerosíssima significaria perigosíssima ou dificílima viagem.

terça-feira, abril 01, 2008

Exorcizando fantasmas ou aprendendo a viver com eles?

Uma das melhores cenas do clássico El Cid, estrelado por Sophia Loren e Charlton Heston na década de 60, é aquela que se dá na mesa do jantar da noite de núpcias. A bela Gimene (personagem de Loren) diz ao seu esposo, Rodrigo (Heston) que precisa lhe contar um segredo, algo que ele deveria saber antes de consumarem o casamento. Argumenta ela que não deve haver segredos entre marido e mulher. Já imaginando o que seria e querendo evitar que a sua amada noiva passasse por um grave constrangimento confessando o que fizera, Rodrigo diz que mesmo entre marido e mulher, às vezes, importa que haja segredos. Insistindo na confissão, Gimene afirma que aquilo que não é dito, que é mantido escondido entre um casal, se transforma num fantasma a assombrar a relação. É aí que o noivo, compreensivo e amoroso, diz: “essa casa é grande, temos lugar para uns poucos fantasmas”.

A questão que me proponho a tratar neste artigo é a seguinte: será que devemos mesmo dizer tudo o que fizemos ao nosso cônjuge ou amigos? Em outras palavras, será que é melhor contar todos os detalhes de nosso passado ou esconder alguns fatos que podem enodoar a nossa imagem e prejudicar a relação? Este não é um assunto simples e eu não quero abordá-lo de modo irresponsável. Por esta razão não tome o texto como uma ordem ou um mandamento. Siga sempre o que a sua consciência disser e faça isso com amor e sabedoria. Mas creio que algumas considerações podem ser úteis àqueles que, ainda jovens, querem construir relacionamentos sadios, francos e equilibrados.

Minha primeira observação é a de que ser sincero não é dizer tudo o que pensa ou sente. Muitas vezes isso é irresponsabilidade. Sincera (do latim sinecerum = sem máscaras de cera) é aquela pessoa que só fala o que pensa e sente, não aquela que fala tudo o que pensa e sente. A diferença é brutal e significativa. Muitos dos pensamentos e sentimentos que nos ocorrem precisam ser peneirados, pesados, avaliados, amadurecidos e isso, via de regra, leva tempo. É fundamental que nos perguntemos se aquilo que estamos animados a dizer vai ajudar a relação, será edificante e construtivo, caso contrário, qual a utilidade de falar? Cada um de nós tem coisas boas e ruins dentro de si, precisamos escolher com cuidado o que vamos retirar lá de dentro para oferecer às pessoas que estão ao nosso redor.

Jesus ensinou que o que contamina o homem não é o que ele come ou bebe, mas o que ele diz, porque sai de seu coração, e se transforma em comunicação, em laços que nos unem a outras pessoas e que findam por alimentar a nossa própria personalidade, delineando a nossa imagem e influência. De algum modo, ainda parcialmente misterioso para mim, o Mestre está nos dizendo que nos transformamos não naquilo que pensamos e sentimos, mas naquilo que falamos. E, obviamente, ele não estava preocupado somente com o que as pessoas vão pensar de nós, mas naquilo que efetivamente somos para nós mesmos. Nas suas palavras: “é aquilo que sai da boca do homem que o contamina, porque procede do coração” e em outra passagem ensina: “a boca fala do que está cheio o coração”. Há entre o coração e a boca um processo de mútua alimentação, de modo que a boca deixa vazar o que vem do coração e aquilo que me escapa pela boca enche ainda mais o meu coração.

Fatos e acontecimentos de nossas vidas são como roupas que compramos e usamos. Algumas queremos que permaneçam conosco, estas devem ser exibidas e discutidas. Outras nos envergonham e nos fazem pensar: “como eu tive coragem de usar uma coisa dessas?”. Nestes casos o melhor é jogá-las fora e não permitir que ninguém as veja. Fazendo assim, corre-se o risco de que apareça alguém com uma foto do carnaval de 1972, quando você saiu de baiana nas Virgens de Olinda, mas esse é um risco calculado que, por vezes, é melhor correr. Deixar que a pessoa nos conheça tem a ver com o presente mais do que com o passado. Está relacionado a permitir que o outro veja o nosso coração, aquilo que amamos e tememos, nossos sonhos e projetos de vida. Não é necessário que as pessoas sejam capazes de reconstituir os fatos que deram origem a cada uma das cicatrizes que eu trago no corpo. Nem eu mesmo sou capaz de fazer isso com perfeição, quando mais as pessoas que andam perto de mim.

Eu não vou lhes contar o que Gimene fez de tão grave, nem tirarei o prazer de vocês saberem por si mesmos se ela chegou ou não a confessar o seu ato a Rodrigo, mas lendo o que leram até aqui já deu para notar que, como ele, eu não vejo mal nenhum em uns poucos fantasmas. Mas leve uma coisa em consideração, se a roupa está no baú que você pretende levar para nova casa é melhor você falar dela, porque se ela vai ter mesmo que saber é preferível que seja por você. Isso lhe dará a oportunidade de colocar os fatos em seu real contexto e conferirá a você o benefício emocional de estar tomando a iniciativa de contar. Pese o custo emocional disso. Avalie se este fato encoberto vai ficar constantemente ameaçando vir a tona, nestes casos é melhor se livrar do malassombro e vivenciar a dor de expor o que lhe constrange. Quem escuta deve lembrar que tem também muitas “roupas envergonhantes” e que não é sábio “o sujo falar do mal lavado”.

Por fim, resta dizer que sem perdão, compreensão e graça toda relação está fadada a ser de desgaste e opressão. Todos nós precisamos aprender a nos perdoar e compreender, bem como a perdoar e compreender o nosso semelhante. Pai “perdoa as nossas ofensas, assim como temos perdoado a quem nos tem ofendido”... foi assim que Jesus nos ensinou a orar, agora só falta aprendermos a viver.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org