sexta-feira, janeiro 16, 2009

O que as crianças podem ensinar aos políticos e aos filósofos

Uma das características mais salientes da natureza humana é a sua capacidade de mudar e se adaptar a novas situações e realidades. É, sem dúvida, por esta razão que nós somos uma espécie animal tão bem sucedida no planeta, no que diz respeito a ocupação dos espaços. Contudo, tais mudanças nem sempre ocorrem para melhor. Às vezes, a adaptação acontece através da destruição ou inviabilização do ambiente que nos acolhe. É por esta razão que o roteirista do filme Matrix colocou na boca do agente Smith uma seríssima acusação contra a raça humana. Ele nos comparou a vírus, pois estes são seres que sobrevivem da destruição do habitat onde se instalam.

O homem já aprendeu a dominar tantas tecnologias e já se tornou capaz de construir veículos extraordinários de comunicação e de transporte, produzimos ferramentas capazes de ver o interior do corpo humano e intervir nele sem que sejam necessárias senão minúsculas incisões. Mas, como profetizou Carlos Drummond de Andrade, ainda não conseguiu fazer a “dangerosíssima viagem” até o chão de nosso coração, com o fito de pacificá-lo, de convidá-lo à harmonia e ao descanso, ao grato recebimento dos dons de Deus. Ainda não descobriu a imensurável alegria de ter pra dividir, de saber para ensinar, de partir para se aproximar.

Os nossos irmãos Darwin, Nietzsche, Marx e Freud tinham o direito de acreditar na evolução humana. Que no final do século XIX nós estávamos vivendo o alvorecer de nossa maturidade intelectual e espiritual, o que faria com que não precisássemos mais de conceitos como Deus e fé, pois a Razão seria suficiente para dirimir todas as questões, por fim a todas as contendas e mostrar um excelente caminho por onde deveríamos seguir. Eles tinham este direito, pois não conheceram, como nós conhecemos, a Guerra de 1914 ou a de 1939, como suas bombas atômicas; nunca ouviram falar de uma substância chamada Napalm que foi lançada indiscriminadamente sobre os habitantes do Vietnã do Norte nas décadas de 60 e 70 do século XX; nem imaginaram que aviões poderiam bombardear um hospital das Nações Unidas, como aconteceu no presente conflito entre israelenses e palestinos na Faixa de Gaza.

Esta visão catastrófica do que tem sido a humanidade, quase me leva a desesperar de tudo e me estimula a quedar-me em um ceticismo inócuo e cínico. Mas é quando estou a ponto de desistir de mim mesmo e de meus semelhantes que lembro das crianças. Ah, as crianças são minha salvação e lenitivo! Pensem numa criança judia e uma palestina colocadas em um campo verde com uma bola de futebol diante de si e perguntem: o que elas farão? Quase posso ouvir a resposta de todos: Elas jogarão, é claro! Mas a verdade é outra. Elas não jogarão, elas brincarão. Porque brincar é inato, jogar é aprendido. De que nos interessam as religiões, as políticas, as ideologias, o poder financeiro e tudo mais que anima a ambição dos homens de nossos dias? Brincar é premente, é urgente, é impostergável, inadiável. Brincar sem vontade de ganhar e sem medo de perder, só o desejo de correr e de sorrir, de fazer peripécias com a “gorduchinha”, sentindo o cheiro bom de mato molhado e o frescor que tem o vento quando um rio passa perto.
Se eu pudesse dar um conselho às Nações Unidas seria este: juntem seus filósofos, sociólogos, diplomatas e políticos e os obriguem a passar duas horas observando um jardim de infância, onde tenham sido colocadas crianças de todos os credos e raças juntas, vejam e aprendam o que é ser humano.

Com carinho,

Martorelli Dantas