domingo, maio 27, 2012

Nota Homilética - Mensagem do Dia de Pentecostes (27 de maio de 2012)

Texto Base: Atos 2:1-4

Introdução. A Festa de Pentecostes está intimamente ligada à da Páscoa, ela acontece exatamente 50 dias depois desta, são sete semanas depois, uma espécie de “semana de semanas”. Era chamada pelos judeus de hag xabu’ot ou “a semana”, ainda yom hakiburim, o “dia das primícias”. Com a influência dos gregos, depois da dominação helênica, sob Alexandre, passou a ser chamada de “pentecostes”, uma referência aos cinquenta dias. Nesta festa se comemorava a entrega das Tábuas da Aliança, após a saída do povo de Israel do Egito e era a ocasião da consagração das colheitas, pela entrega dos primeiros frutos.

Na tradição cristã, a conexão entre o Pentecostes e a Páscoa também está presente. Jesus havia ordenado aos discípulos que permanecessem em Jerusalém até que recebessem o poder que vem do céu (Lc. 24:49). O cumprimento desta ordem/promessa aconteceu no Dia de Pentecostes.

O que eu gostaria hoje é em lugar de relembrar essa história, detectar nela alguns princípios que, quem sabe, podem nos ajudar a buscar e receber esta tão necessária abundância do Espírito, que faz toda diferença na vida e na carreira da Igreja.

Elucidação. Estarem no cenáculo no Dia de Pentecostes é tanto fruto da obediência, quanto da esperança, que vem da confiança na voz do Mestre. Mas por que esperar? Por que “perder tempo”, se eles já O haviam visto ressurreto? Se eles já tinham o grupo e a mensagem, já tinham sido treinados por três anos, qual o sentido desta estranha contenção? A resposta é simples, eles tinham o conteúdo, a mídia e os destinatários, mas lhes faltava a unção.

Está aqui um equívoco que não é pequeno para a igreja de nossos dias. Supomos que porque temos os elementos materiais para a proclamação do Evangelho, já não nos falta mais nada. A verdade é que falta tudo! A melhor ortodoxia, o mais belo templo, o programa no horário mais nobre da televisão ou o site mais bem montado da Web é nada! A pregação carece de unção como o gado de água, como o homem de sonhos. Sem unção a mensagem pode até dar certo, só não dá vida!

Este é o drama de pregadores de ofício, como eu, que têm que pregar, assim como um funcionário que precisa abrir a firma às 8h na segunda-feira para atendimento ao público. Eu não canso de dizer a Paulão: a igreja não é uma padaria, mas nós fazemos dela coisa tal qual. Pergunto aos que não são “pastores profissionais”: sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar, sabe lá? (Djavan). Que Deus me dê a graça do recolhimento e do silêncio, quando for tempo de esperar a visita do Espírito. Que o meu povo, rebanho do Senhor, saiba respeitar este “momento de cenáculo”!

Tema: Pentecostes é encontro da atitude na Terra e o derramar do Céu.

1. Primeiro movimento: unidos na terra.

A primeira coisa que nos é dita a respeito dos discípulos naquele dia é que eles estavam reunidos. Eu gosto de pensar na palavra grega que define como eles estavam no momento, homós, que é a raiz de várias expressões na língua portuguesa, tais como homogêneo e homodinâmico, e quer dizer comum ou igual, e aqui pode significar apenas “juntos”. Contudo, juntos nunca é apenas. Estar juntos para uma comunidade cristã é essencial. Não como as pessoas se reúnem em um elevador, mas juntos como uma família ou uma fraternidade.

Desde os primórdios a igreja do Senhor sofre com a divisão, com a separação, com as intrigas internas. Jesus orou, pediu, ensinou a eles que ficassem unidos, que se amassem... de nada adiantou. Há tanta divisão em nosso meio. Aqui mesmo em L’Abri somos casa dividida. A mesma meninice de “eu sou de Pedro, eu sou de Paulo e eu sou de Apolo” se vê entre nós. Isto só não entristece mais a mim do que a Cristo. E o que nos divide? São valores, doutrinas, ideias? Não, o que nos divide é a vaidade e o orgulho!

Estou pronto a afirmar que é assim sempre em toda parte. Que nada separa irmãos, senão a vaidade e o orgulho! A história da igreja cristã é testemunha disso. Ah! Eu ia esquecendo de algo primordial, a cobiça. Mas cobiçar o que? Aquilo que a minha vaidade diz que eu tenho que ter e o orgulho diz que eu mereço, é isso que eu cobiço.

Mas hoje o Senhor nos lembra que não há Pentecostes se não estamos juntos. Não há unção se não nos humilhamos e “preferimos em honra uns aos outros”.

2. Segundo movimento: os céus se movem.

Em seguida, o texto nos diz que “veio do céu um som”. Como costuma dizer o Pr. Jeremias Pereira: quando o povo de Deus ora, os céus se movem, o inferno treme e coisa nova acontece na terra”. Eles estavam lá, unidos e orando, e o céu se moveu em seu favor. Se o Senhor, em sua soberana vontade, estabelecesse apenas este único critério para derramar do seu Espírito, nós estaríamos perdidos. Onde Ele encontraria um povo unido em oração? Deus tem misericórdia de nós!!!

Mas Ele é cheio de graça mesmo, Aleluia! Jesus não parou de orar por isso e continua cumprindo a sua promessa em nossos dias. Do céu ainda vêm sons... deseje-mo-los. Em minha vida e ministério nunca faltaram provisão dos céus, o que faltou e continua faltando é disposição para buscar. Esta prontidão para a consciência da dependência. Como diz Caio: dar razão a Deus e obedecer a sua Palavra. Quero o Senhor em minha vida, quero a sua palavra em minha boca, a sua graça em meu coração.

Tiago não mentiu quando disse que “quem quiser peça a Deus que a ninguém nega” (1:5). Os sons do céu ainda tocam, o fogo que faz arder ainda queima, mas quem os quer? Quem por eles espera? O espírito de Simão, o mágico (Atos 8) tomou conta de nós. O poder pelo seus efeitos, quando o poder é ele mesmo efeito da comunhão sincera.

3. Terceiro movimento: a experiência de cada um e a manifestação em todos.

É lindo ver que as “línguas de fogo” pousaram sobre cada um, mas que todos ficaram cheios do Espírito Santo. Há aqui as duas dimensões que não se podem perder, a singularidade da experiência com Deus e a comunal manifestação de seu amor ao mundo. Cada um e todos não são inconjugáveis, não são excludentes.

Por isso escolhemos sermos uma comunidade sem denominação, para sermos de todas. Por isso somos católicos e protestantes, porque Cristo não está dividido, Ele não pertence a ninguém e é de todos. A graça é concedida a cada um para a edificação de todos, como nos ensinou nosso irmão Paulo em I Cor. 12. Vamos deixar cada um receber a sua porção da obra de Deus em sua vida, lembrando que “o fim proveitoso” só o é se for para todos.

Não sou daqueles que pensa que só é possível seguir a Cristo fazendo parte de uma comunidade cristã. Se fosse assim os apóstolos não poderiam ser chamados de cristão, porque muitos deles passaram a maior parte de suas vidas viajando ou presos, mas ninguém pode ser cristão “para si” ou “em si”. Isto é uma contradição, um absurdo à luz do Evangelho. Se recebemos a graça do Senhor foi para comunicá-la e vivê-la na relacionalidade. O isolamento e a solitude são experiências necessárias, mas não são (ou não devem ser) modos de vida.

Somos o povo do “cada um” e do “todos”!

Conclusão. Há um enorme perigo de fazermos do Dia de Pentecostes, uma espécie de Dia das Secretárias ou de qualquer outra pessoa de quem tendemos a nos lembrar só naquele dia. Pena que seja assim, porque, meus irmãos, ainda hoje e sempre, é o “Espírito quem concede”. É dele, e só dele, que vem o que importa.

Uma vez eu chamei Thiago, meu filho mais velho, para um passeio na mata. Andamos durante horas e depois de algum tempo eu lhe perguntei: meu filho, você sabe voltar? Ele, que tinha uns sete anos, me disse que não sabia. Com tom doutoral, eu lhe disse que durante a nossa caminhada eu havia observado cuidadosamente marcas no caminho, para que nos servisse de roteiro no retorno. E agora bastaria seguir estas marcas que chegaríamos em nosso acampamento.

Resultado... depois de umas duas horas andando em círculos, eu mesmo comecei a me preocupar. Pedi para Thiago me esperar em um local e corri para ver se identificava algo que nos pudesse ajudar a retornar. Quando eu estava a uns 800 metros dele ele gritou para que eu voltasse. Entendi que ele estava com medo e não queria que eu me afastasse. Voltei, mas, para minha surpresa, ele não estava com medo. Ele tinha uma ideia e me disse: pai, lá no nosso acampamento não tem energia elétrica? Eu disse que sim. Então ele completou: Se nós seguirmos os cabos de alta tensão que vemos no céu não chegaremos lá?

Talvez seja tudo uma questão agora de nos voltarmos para o céu, e lembrarmos que a nossa missão não pode ser realizada sem este seu derramar sobre nós.

quinta-feira, maio 24, 2012

O amor é sofredor!

Quando Paulo, no capítulo 13 da primeira carta aos coríntios, elencou as características e virtudes do amor, por alguma razão, colocou em primeiro lugar esta terrível verdade: o amor é sofredor (algumas versões traduzem como "paciente"). Por que será que o amor é sofredor?


Porque nós não escolhemos a quem amar, somos assaltados pelo amor. Quando nos damos conta, já estamos amando e aí é tarde demais. Amamos quem merece e quem não merece ser amado. Amamos quem também nos ama e quem nunca nos amará. Amamos quem reconhece e valoriza o nosso amor e quem nem se dá conta que ele existe. Sendo assim, o amor não poderia ser outra coisa, senão, sofredor.


O amor é sofredor porque não escolhemos quando amar. Ele nos surpreende em momentos inesperados, quando juramos por tudo que é mais sagrado que vamos ficar quietos e serenos, é justo neste inopinado momento que ele se manifesta mais devastador. Chega dizendo que não sabe, não pode nem quer esperar. Chega se impondo, se anunciando imperioso como um general romano em cortejo vitorioso pela Via Ápia, abram passagem.


É sofredor porque confina a quem ama, não lhe deixa escapatória ou rota de fuga. É um sequestro, um rapto talvez. Algo que nos condena perpetuamente, que nos lança no terrível calabouço de ver a sua felicidade vinculada e dependente da felicidade do ser amado. Faz dele um órgão externo, um fígado que ganhou pernas e saiu por aí, onde quer que vá vamos nós, clamando para que a Misericórdia o livre de sofrer. Será sempre assim, depois de amar é o fim.Se o amor é sofredor e nada podemos fazer em contrário, precisamos aprender a amar, para, quem sabe, sofrer menos.


Em última análise, é esta a razão de todo engenho e arte humana, sofrer menos. O que posso dizer aos meus leitores, que possa lhes ajudar e singrar as sendas de uma vida de "menos dor"?Sem dúvida, o primeiro passo é não esperar do ser amado que lhe ame de volta, que seja como você deseja, que se comporte conforme os padrões mais nobres e elevados definidos por tua consciência. Faça isso não, só te vai fazer sofrer mais. As pessoas precisam ser elas mesmas, caso contrário não conseguem ter paz. O ser amado deve se sentir livre, deve se sentir autorizado a ser ele mesmo. Deve poder se despir diante de você, sem temer o olhar avaliador, que mensura, que aprova ou desaprova. Quem ama não deve estabelecer condições para o amor.


Em seguida, por pura estratégia de não sofrer, perdoe o ser amado. Você merece perdoar! Perdoar não é um gesto de grandes almas ou de pessoas especiais, é só uma manifestação de simplicidade e sabedoria existencial. De que adianta cobrar de alguém uma dívida que ele não pode pagar? O que foi dito não pode ser desdito, o que foi feito não pode ser desfeito. O que foi se foi e precisa "se ir" de nós também. Perdoar não é esquecer, é coisa bem mais objetiva e simples (sem que por isso seja fácil), perdoar é abrir mão do direito legítimo de cobrar uma dívida que o outro não pode pagar.


Em último lugar e, talvez, o mais importante... AME sem medo de sofrer. Algumas pessoas não se entregam ao amor por medo de que este amor lhes machuque. Tudo bem, estas pessoas não sofrem por causa disso? Sofrem, mas sem amar inteiramente. Passam a vida "dançando de macaco" (coisa comum antigamente, quando as moças punham a mão no peito do rapaz para ir regulando a distância do mesmo, um cuidado para evitar afoitesas). De fato isso é seguro, mas isso é dançar?


Na vida teremos dores e aflições, amar faz sofrer... tudo isso é verdade, mas alguém conhece coisa mais gostosa do que amar? Algo mais pleno e realizador? Como disse o Poetinha, "para isso fomos feitos..." para amar e ser amados. Como fez o carpinteiro viver de amor e morrer de amar.


Extrato da mensagem pregada no aniversario de Eliane Marques, em L'Abri, no dia 21/05/12.