quinta-feira, janeiro 30, 2014

Sete razões pelas quais acredito que a Reforma Mendicante foi maior que a Reforma Protestante

1. A Reforma Protestante foi uma expressão da necessidade geo-política de um tempo em que os príncipes europeus não queriam nem suportavam mais a intervenção de Roma nas questões da administração interna de seus povos. Apoiar a Reforma foi uma forma de emancipação política da relação com o papado. Já a Mendicante é fruto da consciência espiritual de que os exageros autoafirmativos da burguesia emergente eram uma afronta à essência do Evangelho.

2. A Reforma Protestante é um movimento que nasce nos ambientes acadêmicos, frequentados pela nobreza e pelo clero, como Winttemberg e Genebra, e que constrói uma tênue aliança de sustentação com a burguesia. Os pobres nada sabem da Reforma nos dias de Lutero, além de suas inspiradas canções. Já a Reforma Mendicante nasce na burguesia e parte para os pobres. É um movimento evangélico de reinclusão destes nos limites institucionais do reino de Deus.

3. Tendo a Reforma Protestante nascido envolta no ambiente iluminista do final do século XV e início do XVI, ela se estruturou e se apresentou, desde o primeiro momento, de forma excessivamente humanista e dogmática. Para confirmar isto basta ler as Institutas de Calvino ou o conjunto de Confissões que defluíram em todo século XVII. Já a Reforma Medicante, de Francisco e seus doces amigos, expressou-se na revalorização do simples, do cósmico e do mínimo, que chama a lua e a formiga de irmãs.

4. Quem entrasse em uma igreja luterana ou anglicana no século XVI saberia que a ruptura promovida pelo protestantismo foi político-hierárquico e dogmático, mas isto não tocava radicalmente a liturgia e a prédica, a não ser pelas intrigas em forma de denúncia que insistentemente eram feitas dos púlpitos. Já a Reforma Mendicante mudou tudo, fez do leigo instrumento nas mãos de Deus para a promoção da consolação e dos leprosos a primeira assembleia de ouvintes.

5. O protestantismo nasce, ainda que não nas intenções expressas de Lutero, como um movimento de ruptura, de cisão. Este não é meramente um dado histórico, passou a fazer parte do DNA do protestantismo, o qual continuou existindo a partir de sua infinita fragmentação. O franciscanismo promoveu uma ruptura em todos os sentidos maior que a protestante, mas de dentro e dentro da igreja, guardando uma desconcertante submissão às ordens desde Cristo estabelecidas. Os franciscanos foram, e em alguma medida continuam a ser, uma denúncia de que nossos excessos e opulência ofendem a Deus, na medida que se sustenta na negação do compartilhar e da misericórdia.

6. A Reforma Mendicante nasce imediatamente como movimento evangelístico, uma vez que surge sob o signo da misericórdia e quer erradicar não a pobreza, posto que "os pobres sempre os tereis convosco", mas os sofrimento solitário. Os fratellos se sentiam chamados para todos os lugares em que o sofrimento se expressasse, quer fossem os campos de batalhas, para cuidar dos feridos, quer fosse para os guetos das grandes cidades, para alentar os esquecidos. Já a Reforma Protestante fez guerras, que, diga-se de passagem, ainda não acabaram. Sob Lutero e Calvino muitos foram mortos pelo que pensavam e professavam. O único a quem Francisco fez mal em toda a sua vida foi ao seu "irmão corpo".

7. Em sétimo e último lugar, mas o mais importante de todos aqui apresentados, é que na Reforma Protestante o que se pretendia era combater os erros e os excessos da Igreja Católica, eis a razão das 95 teses de Lutero. Já a Reforma Mendicante pretendia, e ainda pretende, encarnar Jesus, viver como Cristo viveu, experimentar com radicalidade absoluta o seu ensino, crendo que este não nos foi dado como poesia ou para a terna memória, mas como um padrão e um modelo de vida, para além de toda contextualização diminutiva e cômoda.

É por tudo isso, que a esta altura da vida, me sinto mais franciscano do que protestante, quer uma coisa quer outra, fora dos limites institucionais da igreja.