quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Eu quero ser feliz!
Na minha vida pessoal e em minha atividade pastoral, ouvindo todos os dias dezenas de pessoas, conversando sobre suas dores e anseios, a frase que tem sido mais frequentemente repetida é esta: eu quero ser feliz! Parece-me que elas, por alguma razão, foram tomadas pela urgência de se fazerem felizes. De verem suas carências e expectativas atendidas o mais rápido possível. Sentem que a vida está passando em sua marcha irrefreável e não podem mais “perder tempo”.

E o que é “perder tempo”? É postergar (deixar pra depois) a satisfação, a realização de suas fantasias e desejos mais íntimos. Já passou tempo demais, urge quebrar os paradigmas, abrir as gavetas da imaginação à procura do desconhecido e exótico, que é, ao mesmo tempo, intensamente cativante e inebriante. Não importa que as pessoas sofram, que projetos longamente trabalhados venham a ruir em um passe de mágica (magia negra), que os valores mais caros tenham que ser esquecidos ou momentaneamente suspensos. É preciso ser feliz, e agora!

Ocorre que, frequentemente, estas pessoas continuam infelizes depois de fazerem o que “lhes deu na telha”. Colocaram a si mesmas e às figuras mais caras ao seu redor sob risco, ou mesmo, as magoaram profundamente e neste momento, com algum constrangimento, perguntam: é só isso? Foi por isso que eu deixei tudo? É nesta hora que elas chegam ao gabinete para conversarmos e orarmos juntos. Quando o “vidro foi quebrado”, quando a palavra foi dita, quando a cama foi desfeita, quando o copo chegou ao fim. Quanta frustração nos olhos e pesar na alma. “Mas é preciso ter coragem pra recomeçar...”.

Estou convencido que o maior mal deste novo século, não é, como ocorreu no século XX, a depressão e a ansiedade, mas a egolatria (culto ou adoração ao ego). Por uma série de razões que não poderei expor aqui, o ser humano do século XXI tornou-se egocêntrico e imediatista. Cada vez mais os seus sonhos foram se voltando para eles mesmos, para os seus corpos nos limites mais estreitos.

Os humanos são seres gregários, como formigas e abelhas, lhes é necessário viver em comunidade. Eles precisam de seres semelhantes a eles constantemente próximos para que alcancem (ou mantenham) sua identidade, uma sanidade física e emocional. Contudo, para que assim aconteça, mister se faz que eles se ajudem mutuamente, se toquem, se estimulem... se amem. Além disso, são seres morais e espirituais, carecem de valores capazes de dar sentido e direção à travessia em que consiste sua existência; de um relacionamento que transcenda sua umbigalidade (vida centrada no próprio umbigo).

Não é por outra razão que Jesus apontou o caminho para a vida eterna (que aqui deve ser entendida como uma vida cheia de razão, contentamento e paz), ensinando: “amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. E amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc. 12: 30 e 31). Queria, o grande Mestre, nos mostrar que a verdadeira felicidade só é alcançada se estendermos as fronteiras de nossos projetos de tal modo que se tornem capazes de albergar aqueles que estão ao nosso redor. A minha felicidade está única e exclusivamente na possibilidade de ver pessoas felizes perto de mim, em fazê-las felizes.

Nesta mesma esteira, São Paulo disse que o corpo da mulher não pertence a ela, e sim ao seu marido; e que o corpo do marido não pertence a ele, mas à sua esposa (1º Cor. 7:4). Logo, a responsabilidade pela satisfação e alegria de seus corpos teve a titularidade transferida. Casar é, portanto, um ato de irremediável entrega, doação. Confiar a si mesmo nas mãos de um outro ser exclusivamente por amor e em amando ser feliz. Lembra Chico dizendo: “se ao te conhecer fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios, me diz agora como é que eu posso ir?”.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Livres do Desânimo (ou de como estou velho, mas não estou acabado)

Hoje, eu fiz 39 anos e pela primeira vez ouvi, com certa ironia, a tradicional canção “Parabéns pra você”. Fiquei pensando no porquê das pessoas estarem me felicitando, se o que meu aniversário indica é que eu estou me acabando, que a minha vida está chegando ao fim, que, de modo inexorável, a minha morte galopa lépida em minha direção? Senti bater em mim, quase de modo inédito, o sentimento tão conhecido dos poetas e cantores, esta angústia de me saber finito.

Lembrei-me de Vinícius, dizendo que, no final das contas, tudo se resume nisso: “...por cima uma laje, por baixo a escuridão. É fogo irmão, é fogo irmão!”. Recordei-me de que uma vez ele disse: “Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada ela (a morte) virá me abrir a porta como uma velha amante, sem saber que é a minha mais nova namorada”. E como esquecer de Gil, cantando que "se eu quiser falar com Deus, tenho que dizer adeus, dar as costas, caminhar, decidido, pela estrada que, ao findar, vai dar em nada, nada, nada ... do que eu pensava encontrar”. E para que os mais jovens não digam que só a rapaziada “das antigas” tinha tais pensamentos, cito meu querido Paulinho Moska, perguntando: “Então me diz qual é a graça de já saber o fim da estrada, quando se parte rumo ao nada?”.

A minha alma foi tomada por assalto e quase permiti que a tristeza a invadisse subitamente. Foi quando me ocorreu o texto de Paulo, registrado na 2ª carta aos Coríntios, no capítulo 4, versículos de 16 a 18, onde se lê: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas”.

Não há motivos para eu me deixar desanimar (palavra que vem do latim e significa perder o espírito, esvaziar-se do fôlego da vida), e o Apóstolo explica o porquê. Ainda que o meu “homem exterior”, o meu corpo e mesmo as posses que tenho se desfaçam com o tempo, há algo em mim que não envelhece nem caduca jamais, o meu “homem interior”, o meu espírito, o meu relacionamento com o Deus Vivo e Verdadeiro. Nele, eu posso mais hoje do que podia quando tinha 17 anos. Como disse Jesus, nem a traça, nem a ferrugem, nem o ladrão (tudo isso que é o tempo) podem fazer com que eu perca o meu tesouro que está nos céus.

Lá, vale a pena investir, até porque, assim fazendo, podemos andar seguros na Terra. Não como o arrogante milionário, que coloca sua confiança naquilo que um ato governamental ou uma repentina variação de mercado podem destruir de uma hora pra outra, mas vestidos da paz, filha da certeza de sermos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo das riquezas do Pai. Quem sabe disso rouba da morte o seu aguilhão (1º Cor. 15:55), livra-se do pavor da contínua decomposição dos seres e pacifica a alma diante das incertezas do futuro.

Uma das idéias que mais me impressiona na passagem de 2ª Coríntios é aquilo que Paulo chama de “leve e momentânea tribulação”. O que seria isso? A resposta está alguns capítulos depois, quando ele descreve as coisas que vinha passando por causa do Evangelho: suas prisões, seus naufrágios, os açoites dos quais foi vítima, as traições que sofreu, a fome e a nudez. Isso era a sua “leve e momentânea tribulação”. Como é possível? Deixem que ele próprio responda: tudo isso é pequeno e irrelevante quando contrastado com a eterna glória que já começa a ser derramada sobre nós, a ponto de já sentirmos o seu peso. Imagino como os tradutores da Bíblia devem se encontrar em maus lençóis para traduzirem a expressão grega utilizada pelo autor, hiperbolê eis hipérbolê, ou seja, um exagero que leva a outro exagero, algo sem qualquer comparação. A nossa dor é tão pouca, quando comparada a um prêmio tão grande; os nossos dissabores são tão pequenos, quando os pomos em frente a tudo quanto Deus nos tem dado e ainda nos dará!

Por fim, o nosso amigo nos ensina que se quisermos ser, de fato, felizes, precisamos aprender a ver o invisível. Parece que Antoine de Saint-Exupéry, ao escrever o Pequeno Príncipe, tinha em mente este texto de Paulo, e disse que “o essencial é invisível aos olhos”, mas esqueceu de dizer que é preciso que tenhamos olhos para ver o essencial, ver o invisível. Há somente um olhar capaz disso, o olhar da fé. Aquele que fez com que Moisés, “pela fé, abandonasse o Egito, não ficando amedrontado com a cólera do rei; antes, permanecesse firme como quem vê Aquele que é invisível” (Heb. 11:27).

Não quero ser eternamente jovem, quero ser eternamente feliz!

Com carinho,

Martorelli Dantas