domingo, dezembro 18, 2011

Nota Homilética no 03

Com base em Marcos 7:18 – 23

Título. Deixando o Espírito fecundar seu coração

Introdução. Uma das grandes revoluções do século XX foi o desenvolvimento de métodos eficazes de contracepção, como a pílula anticoncepcional. Isto mudou o modo como as pessoas tratavam o tema da sexualidade, particularmente o lugar da mulher na sociedade ocidental, que assumiu um maior gerenciamento de seu próprio corpo e dos destinos de sua vida.

O problema é que as primeiras gerações de pílulas, quando usadas por períodos longos e contínuos, podiam provocar a impossibilidade de engravidar depois, quando era o desejo que isso acontecesse. O mesmo acontece com nossos corações. Tomamos tantos cuidados para que ele não engravide de nada e ninguém, protegendo-nos da dor e do desconforto que isso pode causar, que corremos o risco de vê-lo incapaz e impotente para engravidar quando seria próprio e oportuno que isso acontecesse.

Elucidação. No texto em comento hoje, Jesus adverte que o que contamina o homem não é o que ele come, mas o que entra em seu coração. E como a comida desce para o ventre, não é isso que contamina o homem. Mas será que alguma coisa ainda entra em nossos corações ou eles se tornaram impermeáveis, como se a zona pelúcida de nossos corações se tornasse insensível a qualquer operação de fecundação do Espírito?

Jesus diz que o bem e o mal são gestados em nossos corações, lá são gerados, são alimentados e crescem e, finalmente, nascem na forma de palavras e gestos. Como está o teu coração?

Desenvolvimento I. O que nos deixa o coração estéril? (com base na interpretação da Parábola do Semeador, de Marcos 4).

1. O desinteresse pelas dinâmicas espirituais, mesmo quando há agudo interesse pelas de natureza religiosa.

2. A vontade de preservar a vida, a imagem, a honorabilidade, estas mentirosas dádivas dos homens, pelas quais nos escravizam.

3. A excessiva preocupação com as fascinações das riquezas e com os cuidados deste mundo.

Desenvolvimento II. Como abrir o coração para ser fecundado e transformado pela Palavra de Deus?

1. Retenha a Palavra. Medite e ore sobre ela. Passe tempo com ela dentro de você.

2. Abra espaço no seu coração para a vida. Desinstale os cistos de morte que a mágoa (o cisto do passado) e a ansiedade (o cisto do futuro).

3. Dialogue com este pequeno e frágil ser que nasceu em você. Chame-o a existência, convide-o para ser Rei em sua vida.

Conclusão. Só assim será Natal em você. Só assim o manto do Espírito que se lançou sobre Maria também descerá sobre você. A vontade de Deus é que Jesus nasça no coração de cada um de nós e que cresça e se manifeste ao mundo. Feliz Natal!

domingo, dezembro 11, 2011

Nota Homilética 2

Cura para a hermenêutica interior: como transformar o processo de valoração dos acontecimentos que se dão em nossas vidas em fonte de ânimo e esperança.

Com base em Marcos 7:14 – 23.

Introdução. O que define se somos felizes ou infelizes, ao contrário do senso comum, não é:

Nosso estado de saúde

A quantidade ou qualidade dos amigos que possuímos

A estabilidade ou segurança de nossa vida profissional

A existência de relacionamentos harmoniosos em nosso lar

A felicidade é o resultado de uma espécie de “digestão emocional” da realidade que nos cerca e dos acontecimentos que nos sobrevêm. É sobre esta “digestão pneumo-psíquica” que eu quero lhes falar hoje.

Elucidação. Jesus nos ensinou que este é um processo que se dá no coração dos seres humanos, logo, não resulta de dados exteriores, mas da operação dos “sucos gástricos emocionais” que, continuamente, transforma aquilo e o significado daqueles que de nós se aproximam.

Quando este processo está doente os resultados são os seguintes:

Adversidade = abatimento e depressão

Vitória = presunção e orgulho

Riqueza = avareza e cobiça

Derrota = destruição da auto-imagem e da segurança

Oportunidade = prostituição e adultério

...

Quando este processo está saudável os resultados são os seguintes:

X, qualquer que seja o X = confiança no Senhor e alegria.

Desenvolvimento. Que equipamento interior é este que nos possibilita processar tudo dentro de nós de um modo saudável?

1. Certeza que valemos muito para Deus e que Ele cuida de nós;

2. Compreensão de que tudo quanto conquistamos foi dádiva do Pai. Foi assim e sempre será.

3. Respeito para com a vida e os sentimentos de todos que de nós se aproximam como terreno sagrado;

4. Ver o desamor do nosso próximo como manifestação de suas doenças;

5. Enxergar-se como colaborador de Deus para o embelezamento do mundo.

Conclusão. Tudo que chega até nós tem um destino, ou vira refugo (dejeto) ou vira vida, mas se não tivermos cuidado o que temos dentro de nossos corações pode transformar as nossas vidas em dejeto.

domingo, dezembro 04, 2011

Nota Homilética 1

Quem é o maior...?

Com base em Mateus 18:1 – 4

Introdução. O que dizemos denuncia no que nos interessamos, aquilo que nos interessa denuncia o que fazemos, bem como a força que nos move a agir, o que fazemos constrói ponto a ponto o que nós somos.

O gordo fala de comida... A vaidosa fala de beleza... O avaro de dinheiro... O cobiçoso de poder... O autocomiserado do que os outros fizeram com ele... Até o cínico religioso fala de práticas piedosas que tiveram o condão de fazer o que ele é. Na ordem inversa, nós somos o que fazemos, fazemos o que nos interessa e é do que nos interessa que nós falamos.

Elucidação. Perguntar quem é o maior serve para que os discípulos se posicionem em relação uns aos outros. Sabendo quem é o maior eles poderiam imitar os seus métodos, estabelecer alvos para suplantá-lo no que quer que tenha tornado este indivíduo “o maior”. Este é o assunto, o interesse e a agenda dos discípulos daqueles dias e de muitos de nós também. Queremos ser os maiores... os mais ricos, os mais belos, os mais poderosos, os mais piedosos, os mais influentes. São apenas variações sobre o mesmo tema.

Esta artimanha do espírito humano não era estranha a Jesus. Quando ele coloca no centro da questão uma criança, desconcerta, como já fizera tantas vezes e continua a fazer, seus discípulos. Uma criança nos dias de Jesus e na cultura em que ele usou esta figura não é o mesmo que uma criança em nossos dias e aqui onde habitamos. Aquela era uma sociedade baseada na autoridade e na experiência dos anciãos. Diferentemente da nossa, que praticamente idolatra a juventude e o frescor da pele, aquela sociedade estava alicerçada na sabedoria das cãs (dos cabelos brancos).

Desenvolvimento. Quando Jesus lhes disse que eles precisariam se converter em crianças estava propondo um caminho de retorno, uma regressão a um estado de desimportância social e econômica que representava um desafio existencial que não podemos compreender perfeitamente hoje, em que a ideia de nos tornarmos crianças de novo até, de algum modo, nos fascina. Ser criança, naquele contexto, é:

1. assumir uma posição em que se sabe não ser nem maior nem melhor do que ninguém;

2. que se aceita isto e se dispõe a existir em submissão e alegria;

3. na mais completa e absoluta dependência dos seus.

Conclusão. Esta é uma conversão sobre a qual as igrejas, em geral, não falam hoje. Elas, pelo contrário, nos estimulam a querer também sermos os maiores. Dizem que Deus nos fez para sermos cabeça e não calda, que ter é sinal da benção do Senhor em nossas vidas. Que renúncia é sinal de fraqueza ou de pecado. Mas a verdade continua a mesma dos dia do Salvador, a verdadeira libertação está em aceitar que não sabemos, que não podemos, que não conseguiremos se Deus não for por nós. Tudo isso é coisa de criança.

sábado, dezembro 03, 2011

Desculpem se eu não me expresso bem, é que eu não sou daqui.

Por Martorelli Dantas

Acho a Imbiribeira um bairro muito interessante, que combina uma área comercial com muitas residências, mas eu não sou daqui. Acho estranho como é possível que a miséria de muitos conviva com o conforto de poucos, e que estes não suponham que isto resultará em violência. Os fundos de uma loja de carros importados é habitada por pessoas que não têm sandálias, há anos que a principal avenida inunda com qualquer chuva por falta de drenagem e as autoridades são incapazes de tomar qualquer atitude efetiva, com os pesados impostos que cobram das pessoas que vivem aqui... é, eu não sou daqui.

O Recife é uma cidade cheia de cultura e vida, aqui conheci pessoas maravilhosas, que me ensinaram profundas lições, mas eu não sou daqui. Sinto-me deslocado quando percebo que à noite o centro da cidade é invadido por uma multidão de miseráveis que dormem nas marquises das lojas e igrejas. Onde estão estas pessoas de dia? Que poder de invisibilidade é este? Ou será que são meus olhos que não os querem ver, para não me fazer sofrer? O que sei é que eles estão lá, todos os dias, em todos os anos, desde que eu era criança tem sido assim. Nunca vou compreender como é mais fácil encontrar pessoas dispostas a dar sopa pra cem do que mudar a vida de um, sem perceber que de um em um se restauram cem. Mas é natural que eu não consiga decodificar isso de modo inteligível para mim, eu não sou daqui.

O Brasil é um país paradisíaco, as mais belas paisagens do mundo, recheadas de um povo simples e alegre, fraterno e hospitaleiro, mas eu não sou daqui. É impossível que a corrupção seja um mal endêmico assim. Que tenhamos que trocar ministros todos os dias, porque cada um que colocamos traz consigo os mesmos vícios que encontra incrustrados nas repartições e pastas que assumem. Quando digo que não sou daqui, não é porque me considere melhor que os demais, a minha estrangeirice se manifesta em não achar isso nem normal nem aceitável. Isso clama em mim por rebeldia, por constrangimento coletivo, por um mea culpa nacional. Estou certo que isso vai acabar, que um dia já não será mais assim, mas acho que eu não estarei aqui pra ver, porque eu não sou daqui.

E este planeta azul que chamamos Terra? Que como diz Caetano, carrega em seu nome o nome de sua carne. Que lugar lindo! Rodei seus continentes, amei lugares e amei em lugares maravilhosos, mas eu também não sou daqui. Nunca vou compreender porque as pessoas precisam esconder seus sentimentos, carecem de bens que lhes atribua significado e importância, não percebem que o valor de alguém está nos valores que carrega em seu coração. Pra que usar um indivíduo se é possível brincar e sorrir com ele, sentar à sombra de uma árvore e dividir uma maçã, um pão com mortadela... Há tanta felicidade às mãos, mas as mãos não cessam de juntar e defender, de lutar e tomar, pra findar sempre dizendo adeus.

Ao longo destes quarenta e três anos em que estou aqui, sempre soube que chegaria o momento de voltar pro meu lugar, isso não me angustia. Só quero que, de algum modo, eu possa contribuir para melhor colorir estes lugares por onde peregrinei e continuo a fazê-lo. Muitas vezes encontrei pessoas que também não são daqui, em alguns momentos os consolei, noutros fui por eles consolado. Talvez você que está lendo este texto, também se sinta como nós, deslocado, fora do lugar... não tenha medo, apenas floresça e floreie, esta é a nossa missão.