quinta-feira, julho 08, 2021

Qual o lugar retórico da Nota do Ministério da Defesa sobre fala de Aziz na CPI da Pandemia?

Por Martorelli Dantas*

I. Dos Fatos

Na tarde desta quarta-feira, dia 07/07, o presidente da CPI da Covid 19 no Senado, Omar Aziz, disse que "Fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo".

Diante desta fala o Ministério da Defesa, dirigido pelo Gal. Braga Neto, publicou na noite do mesmo dia uma Nota em que afirma que a fala de Aziz foi "grave, infundada e irresponsável". Além disso, afirma a Nota que as Forças Armadas "não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".

II. A Análise Retórica

Para compreender o caráter retórico da Nota do Ministério da Defesa é preciso que lembremos de quatro fatos:

1. Desde o começo do governo Bolsonaro, membros das Forças Armadas têm ocupado cargos estratégicos de mando. O próprio Ministério da Defesa vinha, nas últimas presidências, sendo dirigido por civis, para dar ênfase ao papel político e não militar da pasta (militares fazem guerra, políticos decidem se convém ou não a guerra).

2. As denúncias da CPI da Covid 19, cuja liderança é composta por opositores do governo Bolsonaro, vêm dia a dia minando a popularidade do presidente, como demonstram as últimas pesquisas de opinião pública.

3. Já desde o início do governo, temos visto manifestações (que contaram com o apoio do presidente) pedindo "intervenção militar". Esta intervenção teria como fundamento uma dada interpretação do Art. 142 da Constituição Federal (que, desde logo, afirmo me parecer espúria e golpista).

4. Estas mesmas manifestações pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal. Isto porque este tomou decisões que não favorecem o atual governo, como a soltura do ex-presidente Lula e, em seguida, a anulação dos julgamentos que determinaram a sua condenação e inelegibilidade.

Uma análise retórica deveria levar em consideração três elementos: ethos, pathos e logos.

O ethos é a autoridade que pretende sustentar quem fala, a isto colabora o fato de que o Gal. Braga Neto não assina sozinho a Nota, mas se faz ladear pelos comandantes das três Forças, o que faz crer que é uma manifestação das Forças em si.

O pathos é o sentimento que quem fala que produzir no destinatário. No caso, me parece que é o de solidariedade, posto que ao se colocarem na condição de vítimas dos ataques da CPI o que se pretende é fazer com que a população entenda que quem começou as agressões às Forças Armadas foi o Congresso (disto não demora para evocar o pathos do medo da "ameaça comunista").

Já o logos é a argumentação racional que pretende persuadir ou convencer seus destinatários. Aqui o logos é o de afirmar que o papel das Forças Armadas é o de defender as liberdades e a democracia e, por paradoxal que seja, para isso elas farão o que for necessário, inclusive resistir às autoridades democraticamente constituídas.

Construído este cenário, podemos compreender que a Nota do Ministério da Defesa tem o escopo retórico oferecer suporte ao presidente e antecipar (estratégia do balão de ensaio) o argumento de que o Poder Executivo e as Forças Armadas estão sendo atacados por membros do Poder Legislativo.

Desnecessário é lembrar que a primeira medida de qualquer golpe de estado é fechar o Congresso Nacional para que este não deslegitime as ações de arbítrio do mandatário. Se a isso alia-se a interdição de membros do STF ou a suspensão de suas atividades o GOLPE está dado.

O que a Nota pretende é vitimizar as Forças Armadas para que depois se possa justificar os atos que venham a ser tomados como "de defesa".

É bom lembrar que o presidente vem dizendo há meses que não passará a faixa presidencial se não houver "voto impresso e auditável". O que, diga-se de passagem, não é uma decisão dele, mas do Congresso Nacional. E que afirmou (sem nunca apresentar provas) que a eleição que o levou à presidência foi fraudada.

III. Consequências da Retórica

Com a Nota do Ministério da Defesa publicada em 07/07/21 demos mais um passo rumo às condições necessárias para preservar o poder do presidente Bolsonaro, independentemente do que disserem as urnas em 2022 ou de um, eventual, processo de impeachment (impedimento) que o queira afastar da cadeira.

* Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade Nova Roma, em Recife e Advogado Criminalista.