1. A Reforma Protestante foi uma expressão da necessidade geo-política
de um tempo em que os príncipes europeus não queriam nem suportavam mais
a intervenção de Roma nas questões da administração interna de seus
povos. Apoiar a Reforma foi uma forma de emancipação política da relação
com o papado. Já a Mendicante é fruto
da consciência espiritual de que os exageros autoafirmativos da
burguesia emergente eram uma afronta à essência do Evangelho.
2. A Reforma Protestante é um movimento que nasce nos ambientes
acadêmicos, frequentados pela nobreza e pelo clero, como Winttemberg e
Genebra, e que constrói uma tênue aliança de sustentação com a
burguesia. Os pobres nada sabem da Reforma nos dias de Lutero, além de
suas inspiradas canções. Já a Reforma Mendicante nasce na burguesia e
parte para os pobres. É um movimento evangélico de reinclusão destes nos
limites institucionais do reino de Deus.
3. Tendo a Reforma
Protestante nascido envolta no ambiente iluminista do final do século XV
e início do XVI, ela se estruturou e se apresentou, desde o primeiro
momento, de forma excessivamente humanista e dogmática. Para confirmar
isto basta ler as Institutas de Calvino ou o conjunto de Confissões que
defluíram em todo século XVII. Já a Reforma Medicante, de Francisco e
seus doces amigos, expressou-se na revalorização do simples, do cósmico e
do mínimo, que chama a lua e a formiga de irmãs.
4. Quem
entrasse em uma igreja luterana ou anglicana no século XVI saberia que a
ruptura promovida pelo protestantismo foi político-hierárquico e
dogmático, mas isto não tocava radicalmente a liturgia e a prédica, a
não ser pelas intrigas em forma de denúncia que insistentemente eram
feitas dos púlpitos. Já a Reforma Mendicante mudou tudo, fez do leigo
instrumento nas mãos de Deus para a promoção da consolação e dos
leprosos a primeira assembleia de ouvintes.
5. O protestantismo
nasce, ainda que não nas intenções expressas de Lutero, como um
movimento de ruptura, de cisão. Este não é meramente um dado histórico,
passou a fazer parte do DNA do protestantismo, o qual continuou
existindo a partir de sua infinita fragmentação. O franciscanismo
promoveu uma ruptura em todos os sentidos maior que a protestante, mas
de dentro e dentro da igreja, guardando uma desconcertante submissão às
ordens desde Cristo estabelecidas. Os franciscanos foram, e em alguma
medida continuam a ser, uma denúncia de que nossos excessos e opulência
ofendem a Deus, na medida que se sustenta na negação do compartilhar e
da misericórdia.
6. A Reforma Mendicante nasce imediatamente
como movimento evangelístico, uma vez que surge sob o signo da
misericórdia e quer erradicar não a pobreza, posto que "os pobres sempre
os tereis convosco", mas os sofrimento solitário. Os fratellos se
sentiam chamados para todos os lugares em que o sofrimento se
expressasse, quer fossem os campos de batalhas, para cuidar dos feridos,
quer fosse para os guetos das grandes cidades, para alentar os
esquecidos. Já a Reforma Protestante fez guerras, que, diga-se de
passagem, ainda não acabaram. Sob Lutero e Calvino muitos foram mortos
pelo que pensavam e professavam. O único a quem Francisco fez mal em
toda a sua vida foi ao seu "irmão corpo".
7. Em sétimo e último
lugar, mas o mais importante de todos aqui apresentados, é que na
Reforma Protestante o que se pretendia era combater os erros e os
excessos da Igreja Católica, eis a razão das 95 teses de Lutero. Já a
Reforma Mendicante pretendia, e ainda pretende, encarnar Jesus, viver
como Cristo viveu, experimentar com radicalidade absoluta o seu ensino,
crendo que este não nos foi dado como poesia ou para a terna memória,
mas como um padrão e um modelo de vida, para além de toda
contextualização diminutiva e cômoda.
É por tudo isso, que a
esta altura da vida, me sinto mais franciscano do que protestante, quer
uma coisa quer outra, fora dos limites institucionais da igreja.