quinta-feira, julho 10, 2008

Escute a flauta do pastor

Sempre me impressiona o fato de que todos nós, por mais simples que procuremos ser, estamos cercados de ameaças e de perigos. Não foi sem razão que Jesus nos advertiu que estava nos enviando como ovelhas para o meio de lobos (Mt. 10:16). Os riscos são tantos que, não raro, para se sentirem mais seguras, muitas ovelhas preferem se transformar em lobos também, mais ou menos nos termos do adágio popular: “em terra de sapos, de cócoras com eles”. Sem dúvida, a vontade do Mestre é que aceitemos a “dangerossíma” aventura de continuarmos sendo ovelhas em um mundo cada vez mais empestado de seres famintos, ferozes, sagazes e traiçoeiros... esta é a natureza dos lobos.

Vi muitas vezes ao longo de minha vida o poder que têm os interesses mesquinhos para impulsionar as pessoas. Como são capazes de iludir, mentir, machucar e seduzir... tudo para usar os outros para a satisfação de seus instintos adoecidos, que nunca cessam de cobiçar, de desejar com mais e mais intensidade, de alargar suas já incomensuráveis ambições. Num cenário assim é natural que nos desanimemos e, por vezes, até nos desesperemos. O tempo todo nos assedia o pensamento: será que vale a pena viver como somos neste mundo que é como é? Quando a resposta é “não, não vale” nem isso nos alivia a alma, posto que ser o que somos não é uma escolha, é a nossa natureza, como o é a dos lobos e raposas que nos espreitam.

É em momentos assim, quando tudo em mim é medo e tudo fora de mim é perigo, que me recordo de buscar ouvir a flauta do Pastor, como ensinou o Mestre Benjamim. Esta é uma estória do Rubem Alves em um de seus mais recentes livros, “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Ele conta que em uma aldeia distante, numa brenha qualquer deste mundo, era costume que os meninos todas as noites fossem à tenda do Mestre Benjamim, para ouvir palavras de sabedoria que procediam dos lábios do homem mais sábio das redondezas. Numa noite em particular, em que chovia e relampeava e se podia escutar o uivo dos lobos misturado com o barulho dos ventos, as crianças estavam tomadas de medo. Uma delas com os resquícios de coragem que lhe restava, perguntou ao Mestre: é tão ruim sentir medo, não há modo de nos livrarmos do medo? Ao que recebeu como resposta: Há sim, basta ter a mente das ovelhas.

Mas como é a mente das ovelhas? Perguntou outra criança. Explicou Benjamim: as ovelhas são seres frágeis e indefesos, mas vivem cercadas de grandes e graves ameaças, são lobos, ursos e leões que por toda parte armam emboscadas e preparam ataques à procura de quem possam devorar. Como conseguem elas se sentir tranqüilas e seguras num mundo assim? Bem, as ovelhas têm um pastor que delas cuida e protege. Sua segurança não é o resultado da ausência dos perigos, mas da presença do pastor. À noite... quando se adensam as ameaças sob a sombra das trevas, o pastor toca a sua flauta. As ovelhas não vêem seu pastor, mas escutam o som de sua flauta e aquele som lhes penetra tão profundamente a alma e a mente que bane completamente todo medo. O som doce e melódico do instrumento do pastor lhes recorda que ele as conduz para as águas tranqüilas e para os pastos verdejantes; que a sua vara e o seu cajado lhes protegem; que nem dormita nem dorme o seu bom pastor. Depois de ter contado isso, outra criança pergunta ao Mestre: os sons da flauta assustam os lobos e afastam os perigos? Ao que Benjamim responde: Não meu filho, o problema das ovelhas não é o perigo dos lobos, mas a força do medo que as paralisa e diminui. O som da flauta afasta o medo não os lobos.

Quanto tempo faz que você não escuta o som da flauta? Parece-me que estamos focados demais em nos manter livres dos lobos, que são cada dia mais ferozes, poderosos, sutis e ardilosos, para que nos reste tempo para identificar os numerosíssimos sinais da presença de nosso Pastor em nossas vidas. Estamos empenhados sobremaneira com ações humanamente preventivas, que visam manter longe os lobos, armados de inteligência e medo. Medo, medo... muito medo. Sem saber que o medo nos matará antes dos lobos e amaciará a nossa carne para suas gulosas refeições. Nós não podemos vencer todas as feras e basta uma para nos liquidar, mas podemos deixar que Deus nos livre do medo. Por isso, meu amigo e irmão, quando lhe assaltarem o medo ou o desespero decorrentes dos infindos perigos circundantes escute o som da flauta. Se prestar bem atenção conseguirá até ouvir que canção ela toca... é uma antiga melodia que diz: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Paz e Bem.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

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