sexta-feira, dezembro 22, 2006

Natal é o Mistério da Reconciliação


Quando você pensa no Natal que imagens vêm à sua mente? Papai Noel, rena, trenó, árvore, neve, lâmpadas multicoloridas? Claro que não! Você é um cristão consciente e no final de ano você pensa no presépio, na estrela de Belém, nos magos, nos pastores que estavam no campo e foram convidados pelos anjos para conhecerem o “recém nascido reio dos judeus”. Mas será que Natal é isso mesmo?

Creio que as imagens tradicionais não fazem justiça à grandiosa mensagem do Natal. Tudo quando nos dizem os Evangelhos é verdadeiro e constroem o cenário em que se deu o mistério da encarnação, mas o que vem a ser isso? A encarnação é a essência do Natal. É o inexplicável fato de que Deus amou tão intensamente a sua criação que para resgatá-la, fez-se homem e veio habitar conosco, tomou sobre si as nossas dores, limitações, angústias. Tudo quanto é típico da humanidade se tornou parte de sua natureza.

A grande maioria das religiões orientais falam de um caminho para que o homem se aproxime de Deus, elevando “a coroa da criação” aos píncaros dos montes eternos, quem sabe através das orações, meditações, atos de misericórdia ou contemplação. Mas o Novo Testamento nos trouxe uma direção diferente, Deus é quem desce à condição humana para mostrar-lhe como é possível existir na presença do Senhor e em comunhão com o semelhante sendo homem. Tudo quanto Jesus disse e fez em seu ministério terreno foi para nos revelar como pode ser sublime viver em comunidade. Deus é comunidade e habita na comunidade dos santos que invocam o seu nome.
Jesus veio ao mundo para anunciar a sublime verdade de que o Pai não preserva para sempre a sua ira, que o amor pode mais do que o ódio, que o pecado não é maior que a graça e que Criador e criatura podem ser um só. Gosto de pensar como um dia me sugeriu o pregador presbiteriano Tim Keller, que Jesus contou a parábola do Filho Pródigo, na qual há um “irmão mais velho”, que fica irritado com o seu pai porque este recebe de volta com festa o filho mais moço que havia saído de casa e desperdiçado levianamente todos os seus bens, para nos fazer saber que ele, Cristo, é um outro tipo de “irmão mais velho”, um que vai à procura de seu irmão, que o busca nos guetos e vielas até encontrá-lo e quando o encontra, o abraça, cuida dele e lhe diz: “vamos voltar pra casa, Papai não com raiva de você, ele vai lhe perdoar e receber”. Assim fazendo a parábola se transforma em um contraste entre o próprio Jesus e os religiosos de seus dias, que eram os ouvintes originais da estória.

A mensagem do Natal é o anseio divino pela reconciliação do homem consigo. Toda revelação evangélica é uma “outra parábola do Filho Pródigo”, na qual o reencontro acontece em face de uma busca, em que o Pai não fica na expectativa do regresso do filho, mas toma a iniciativa de envia seu Primogênito para empreender a maior busca que a História já conheceu para resgatar não um, mas todos os filhos que se desgarraram do Pai e que vivem distantes de sua casa. O desejo eterno de Deus é o abraço e a festa, que um dia o Rev. Alexandre Ximenes chamou de o “baile dos arrependidos”, em que qualquer um pode entrar, desde que tenha consciência de que não merece nada do que está ali acontecendo e que tudo é por graça e amor do Pai.

Quero pedir ao Senhor que você tenha de fato um Feliz Natal, mas o que seria mesmo isso, um feliz Natal? Melhor que ter um fim de semana feliz é descobrir neste final de semana o caminho para ser feliz, e este caminho é crer no Natal. Crer nele como a revelação de que Deus se interessa pro nós, que as nossas vidas e dramas não passam desapercebidos do Pai, antes, foi justamente para que nós fôssemos felizes que Ele suportou o supremo sacrifício, fez vir “o seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crer, não pereça, mas tenha vida eterna” (Jo. 3:16). Jesus continua a nossa procura para entregar o mais belo e antigo dos cartões de Natal, nele está escrito: “Filho, eu sempre te amei, nada do que você tenha feito, dito ou pensado pode mudar isso, quero que vivamos sempre em perfeita harmonia e comunhão. Você pode contar sempre comigo. Assinado: Painho”.

Deus te faça feliz,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliação.org

sexta-feira, dezembro 01, 2006

O Começo do Fim da Igreja Evangélica Brasileira

O título deste artigo pode parecer dramático ou sensacionalista, mas segue na esteira do que muitos importantes líderes cristãos têm apontado como sendo uma posição pessoal e/ou comunitária, uma espécie de “fim para mim”. Refiro-me a figuras como o pastor de origem batista Ed René Kivitz, que em seu recente livro “Outra Espiritualidade”, afirma estar à procura de um outro modo de expressar a sua fé em Deus e a sua fidelidade a Cristo, que não àquela que ganhou a alcunha de evangélica. Ele diz não mais se ver naquilo que pode hoje ser identificado por este adjetivo.
Antes dele Ricardo Gondin, líder internacionalmente conhecido da Igreja Assembléia de Deus, escreveu em carta aberta amplamente veiculada na Internet, seguindo o mesmo diapasão, que não é mais evangélico. O texto de Gondin me soou mais acre que de Kivitz, nele o pastor que começou o seu ministério na capital cearense, mas que hoje está radicado em São Paulo, diz que a igreja evangélica no Brasil transformou-se numa fábrica de medos e neuroses, marcada por um forte legalismo e com seu corolário que é a burocracia forense, de tribunais eclesiásticos e assembléias deliberativas, onde muito se discute, machuca, humilha e constrange, mas pouco se delibera.
Um outro cristão de renome que parece ter declaradamente deixado as fileiras do evangelicalismos tradicional foi Caio Fábio. Tendo sido um dos maiores evangelistas da história de nosso país com as cruzadas de evangelização que literalmente cruzaram o país nas décadas de 80 e 90 e o principal articulador da Aliança Evangélica Brasileira (AEVB), Caio guarda hoje muitas reservas em relação à maioria das iniciativas eclesiásticas tidas como evangélicas que têm notoriedade na mídia televisiva e radiofônica. Suas acusações carregadas de uma terminologia psicanalítica apontam um grande seguimento das igrejas evangélicas como estando a torturar emocional e espiritualmente os fiéis, quer seja instalando neles “culpas fabricadas em laboratório”, quer pelas promessas de saúde e prosperidade à “preços módicos”.
Por que será que estas e outras tantas figuras de peso estão se “desassociando” do movimento evangélico? Creio que poderíamos apontar pelo menos duas razões: em primeiro lugar o conceito de “evangélico” se esgarçou tanto que já não sustenta nada. Em outras palavras, cabem tantas formas diferentes de crenças e cultos debaixo desta rubrica que ela já não designa claramente nada. A Igreja Universal do Reino de Deus se diz evangélica e a Igreja de Confissão Luterana faz a mesma coisa, mas não há sequer um aspecto em que estas duas comunidades se toquem. A segunda está muito mais próxima da Igreja Católica Romana, ao tempo que a primeira está mais próxima do Espiritismo Kardecista, dois grupos que estão fora do mundo dito evangélico. Imaginem a confusão disso tudo...
Em segundo lugar, durante o último quartel da década de 90 a igreja evangélica passou por uma fase de “profissionalização marketeira” de seu clero e de suas instituições, ou seja, as comunidades locais começaram a ser vistas como “um negócio”, “um empreendimento” e os números começaram a se tornar mais importantes do que o conteúdo da pregação e do ensino. Na verdade, a pregação e o ensino começaram a ser vistos como meios para alcançar os cobiçados números (freqüentadores e receita). Em face disso os discursos começaram a ser cada vez mais sobre a vida aqui e agora, ao passo que o céu foi sendo deixado para um segundo plano. Muitos pastores se converteram em gurus de auto-ajuda, e as liturgias foram dirigidas para promover motivação mais do que adoração. O que funciona em muitos aspectos, mas representa uma ruptura com um cristianismo histórico que os referidos líderes dizem estar vinculados.
O fato é que mais do que nunca nós precisamos relembrar as palavras de Humerto Rohden, que nos ensinou que mais importante do que ser cristão (ou evangélico) é ser crístico. Mais do que crer no que Jesus ensinou, urge viver como ele viveu. O Brasil é uma terra de liberdade religiosa e de muito sincretismo, devemos ter a liberdade para dizer que nós não fazemos parte deste ou daquele movimento, sobretudo quando a agenda dos interesses destes se afastou de nosso ideal de espiritualidade.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org