segunda-feira, maio 14, 2007

Materna Idade: a universal capacidade de ser mãe

Em seu mais recente CD, intitulado “Cê”, na canção “Homem”, Caetano Veloso diz: “Não tenho inveja da maternidade, nem da lactação”. Será? Não será verdade que todo homem guarda, ainda que dissimuladamente, dentro de si um desejo de ser terra sobre a qual a semente (semen em latim e spermatikon em grego) morra pra renascer planta? Não angustia ao gênero de Adão a esterilidade absoluta de seu ventre, essa completa incapacidade de lançar de si no mundo algo gestado em suas entranhas? Não me qualifico para responder a estas perguntas, posto que nada sei dos anseios alheios, mas reconheço em mim uma veneração quase que religiosa pela sublime potência de ser mãe. Isto sem ignorar que há indelével dor nesta graça.

Ninguém será mãe sem sofrer. E aqui a referência não é à maldição de Gênesis 3:16 (“em meio de dores darás à luz filhos”) – quem dera que o sofrimento materno se limitasse ao desconforto da parturiente – mas tenho em vista o lancinante flagelo de ver o desassossego daquele que até pouco tempo era como órgão em seu próprio corpo e agora chora e clama por um pouco de ar, por uma gota de leite (viço que não é tolo pra correr em masculino corpo), um colo que lhe acolha e aqueça. Que ser dependente é o humano ao nascer! Carece em tudo dos cuidados da mãe. Sai de seu corpo, sem, contudo, poder dele prescindir. Torna-se “alter” (outro), sem se tornar “auto” (independente). E lá vai a mulher... a seguir seu filho por onde quer que vá.

Quando Jesus contou a estória do Filho Pródigo, colocou um pai a deixar seu filho partir para terras distantes, uma vez que jamais uma mãe poderia caber no script do ser frio que divide os haveres; que aceita, sem contestação, a filial petição. Mas quando volta o arrependido, já não é um pai quem o espera, antes, é uma mãe. Porque esse negócio de correr, abraçar comovidamente, restituir honras sem exigir explicações, não corresponde ao pátrio poder, mas ao mátrio sofrer. Se me permitirem a grosseria os irmãos teólogos, é como se o pai que deixa partir fosse o Deus do Antigo Testamento e o que recebe e acolhe fosse Aquele revelado por Jesus e descrito no Novo Testamento. O primeiro lida com os direitos do descendente, o segundo com a graça do recorrente. Conquanto, entenda eu, que nem antes nem depois tivesse o que ‘haver’ (no sentido de receber) quem quer partir.

Mas tenho uma boa notícia para todos os leitores deste nosso humilde periódico: hoje todos podem ser mãe. Não esperem que lhes fale das mais recentes descobertas das ciências, nem de decisões judiciais que permitam a adoção às pessoas que antes se viam impedidas de fazê-lo. Quero lhes falar da ‘Materna Idade’, que vem a ser a universal capacidade de ter filhos. Acredito que todo ser humano chega, ou pode chegar, a uma época em sua vida em que desenvolve a virtude de ‘dar à luz’. Em outras palavras, lhe sobrevém uma maturidade a partir da qual não lhe é mais necessário que todas as coisas convirjam para seu umbigo, como se fosse ele o centro de todo o kósmos (isso é ser criança). Chega um tempo, ou deve chegar, em que alcançamos a grandeza de nos realizar alimentando outros, iluminando (dando luz) os circunstantes, multiplicando nossas vidas através da auto-doação.

Isso não tem a ver com ser homem ou mulher, nem com ser jovem ou adulto. Muito menos está condicionado a ser ou não cristão. A Materna Idade é a busca dos monges budistas e dos yogues indianos, do nirvana à extática experiência (vivência do êxtase). O que estou afirmando é que está impresso no psiquê humano um ciclo que pode e deve ser seguido, no qual nascemos crianças, nos tornamos homens e mulheres e depois viramos mães. As fases deste processo se expressam na decrescente necessidade da umbigalidade (neologismo já conhecido dos irmãos, no qual me refiro a esta compulsão a fazer de si mesmo o epicentro de tudo). É verdade, lamentavelmente, que muitos morrem velhos sem nunca deixar de ser criança.

Nunca ouvi frase mais patética do que esta: “quero ser uma eterna criança”. É como se alguém dissesse: quero depender sempre dos outros; quero ser cuidado e paparicado por toda vida; quero que haja sempre pessoas pra me limpar e limpar as “contribuições” que for deixando pelo mundo. Paciência! Tais quereres precisam ser trocados por outros, tais como: quero que de mim saia sempre vida e nunca morte, quero que do meu peito corra alimento generoso e claro; quero ser todo colo (do latim collum, lugar em que pulsa o coração)... quero ser mãe.

Com maternal carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@reconciliacao.org

Artigo do boletim semanal da Paróquia da Reconciliação do dia 13 de maio, dia das mães.

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