Por Martorelli Dantas*
I. Dos Fatos
Na tarde desta quarta-feira, dia 07/07, o presidente
da CPI da Covid 19 no Senado, Omar Aziz, disse que "Fazia muitos anos que
o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com
falcatrua dentro do governo".
Diante desta fala o Ministério da Defesa, dirigido
pelo Gal. Braga Neto, publicou na noite do mesmo dia uma Nota em que afirma que
a fala de Aziz foi "grave, infundada e irresponsável". Além disso,
afirma a Nota que as Forças Armadas "não aceitarão qualquer ataque leviano
às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo
brasileiro".
II. A Análise Retórica
Para compreender o caráter retórico da Nota do
Ministério da Defesa é preciso que lembremos de quatro fatos:
1. Desde o começo do governo Bolsonaro, membros das Forças
Armadas têm ocupado cargos estratégicos de mando. O próprio Ministério da
Defesa vinha, nas últimas presidências, sendo dirigido por civis, para dar
ênfase ao papel político e não militar da pasta (militares fazem guerra,
políticos decidem se convém ou não a guerra).
2. As denúncias da CPI da Covid 19, cuja liderança é
composta por opositores do governo Bolsonaro, vêm dia a dia minando a
popularidade do presidente, como demonstram as últimas pesquisas de opinião
pública.
3. Já desde o início do governo, temos visto
manifestações (que contaram com o apoio do presidente) pedindo
"intervenção militar". Esta intervenção teria como fundamento uma
dada interpretação do Art. 142 da Constituição Federal (que, desde logo, afirmo
me parecer espúria e golpista).
4. Estas mesmas manifestações pediam o fechamento do
Supremo Tribunal Federal. Isto porque este tomou decisões que não favorecem o
atual governo, como a soltura do ex-presidente Lula e, em seguida, a anulação
dos julgamentos que determinaram a sua condenação e inelegibilidade.
Uma análise retórica deveria levar em consideração
três elementos: ethos, pathos e logos.
O ethos é a autoridade que pretende sustentar quem
fala, a isto colabora o fato de que o Gal. Braga Neto não assina sozinho a
Nota, mas se faz ladear pelos comandantes das três Forças, o que faz crer que é
uma manifestação das Forças em si.
O pathos é o sentimento que quem fala que produzir no
destinatário. No caso, me parece que é o de solidariedade, posto que ao se
colocarem na condição de vítimas dos ataques da CPI o que se pretende é fazer
com que a população entenda que quem começou as agressões às Forças Armadas foi
o Congresso (disto não demora para evocar o pathos do medo da "ameaça
comunista").
Já o logos é a argumentação racional que pretende
persuadir ou convencer seus destinatários. Aqui o logos é o de afirmar que o
papel das Forças Armadas é o de defender as liberdades e a democracia e, por
paradoxal que seja, para isso elas farão o que for necessário, inclusive
resistir às autoridades democraticamente constituídas.
Construído este cenário, podemos compreender que a
Nota do Ministério da Defesa tem o escopo retórico oferecer suporte ao
presidente e antecipar (estratégia do balão de ensaio) o argumento de que o
Poder Executivo e as Forças Armadas estão sendo atacados por membros do Poder
Legislativo.
Desnecessário é lembrar que a primeira medida de
qualquer golpe de estado é fechar o Congresso Nacional para que este não
deslegitime as ações de arbítrio do mandatário. Se a isso alia-se a interdição
de membros do STF ou a suspensão de suas atividades o GOLPE está dado.
O que a Nota pretende é vitimizar as Forças Armadas
para que depois se possa justificar os atos que venham a ser tomados como
"de defesa".
É bom lembrar que o presidente vem dizendo há meses
que não passará a faixa presidencial se não houver "voto impresso e
auditável". O que, diga-se de passagem, não é uma decisão dele, mas do
Congresso Nacional. E que afirmou (sem nunca apresentar provas) que a eleição
que o levou à presidência foi fraudada.
III. Consequências da Retórica
Com a Nota do Ministério da Defesa publicada em
07/07/21 demos mais um passo rumo às condições necessárias para preservar o
poder do presidente Bolsonaro, independentemente do que disserem as urnas em
2022 ou de um, eventual, processo de impeachment (impedimento) que o queira
afastar da cadeira.
* Doutor em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade
Nova Roma, em Recife e Advogado Criminalista.