sexta-feira, fevereiro 26, 2010


Filosofia do Amor

Houve um tempo em que todas as ciências eram meros ramos da filosofia. Foi com o advento da mentalidade moderna, excessivamente analítica e carregada da pretensão de alcançar a verdade em ralação a todos os objetos, que, a partir do séc. XVIII (e principalmente no séc. XIX), se fez o desenlace de saberes como a sociologia, a psicologia, a antropologia e a economia da mater scientia.

Não obstante, há algo que nunca foi ciência, que os homens cultos e civilizados dos nossos dias ignoram tanto quanto desconhecem a si mesmos e às razões mais profundas pra viver e se dar. Refiro-me à filosofia do amor. Estou convencido que quanto mais nos desenvolvemos tecnologicamente, nos habilitamos a conhecer os fatos que se dão do outro lado do mundo em tempo-real e nos informamos sobre a opinião, virtudes e tragédias das celebridades, estamos nos tornando cegos e surdos em relação aos nossos sentimentos e os das pessoas que vivem ao nosso lado. É como se nos estivéssemos conectados com o “fora e longe” e, para isso, nos desligamos do “dentro e perto”. Já disseram que internet é uma ferramenta que aproxima os distantes e afasta os próximos. Este texto pretende apenas lançar as bases daquilo que chamo de “amizade com o saber amar” (filosofia do amor).

Em primeiro lugar, é preciso evocar a consciência de que nós não existimos pra trabalhar, para procriar, para conquistar terras e riquezas. A única razão para que eu e vocês estejamos aqui e agora, compondo a história da raça humana sobre a Terra, é que este mundo precisa muito de amor e Deus achou que nós poderíamos ajudar nisso. Não é por menos que vida sem amor não é vida e que só o amor tem o condão de transformar um ser humano de dentro pra fora. Foi o apóstolo Paulo quem disse que “o amor tudo suporta”. Não no sentido de que quem ama aguenta todas as coisas, mas que é o amor que a tudo sustenta e quem não tem amor está no vazio, precipita-se no abismo.

Em segundo lugar, importa que saibamos que amar não é uma garantia de que não vamos sofrer ou fazer sofrer. Pelo contrário, a palavra “paixão” tanto significa desejo quanto dor, é que também no que diz respeito às emoções, entre o “bem e o mal Deus criou um laço forte, um nó, e quem viverá um lado só?”. A filosofia do amor nos ensina a arte do perdão, ter olhos pra enxergar que o presente é mais importante e maior que o passado. Se quisermos viver das amargas lembranças do ontem, desligaremos a graça do hoje e inviabilizaremos as doçuras possíveis do amanhã. São escolhas a fazer, decisões a tomar. Perdoar não é esquecer, é abrir mão do direito de cobrar.

Presbiterianamente, em último lugar, mas não com a ilusão de esgotar a filosofia do amor, posto que este é um saber sempre em construção, quero lhes propor que importa que nos entreguemos inteiramente ao mar do amor, sem barcos nos portos a esperar, sem rotas de fuga, sem um “se não der certo...”. Quando nos damos em parte não podemos esperar viver plenamente satisfeitos. O amor não se pode aprender sem a radicalidade dos revolucionários. Foi Caymmi que lançou para o infinito a vexata quaestio: “por que de amor para entender é preciso amar, por que?”. Nas palavras de Fernando Sabino, no final vai dar certo, se não deu ainda, é porque não chegou ao final. Filosofia do amor a arte da contínua superação.

Com carinho,

Martorelli Dantas

Saudades de quem não partiu

Ontem encontrei com um doce amigo, Túlio Vinícius. Encontrei-o, mas ele estava ausente. Nem sempre estamos presentes onde presentes estamos. Presença é mais que consciência, é vontade de brincar, de sorrir, de dançar. Isto fizemos muitas vezes juntos. Senti saudade de nossas longas conversas sobre a fé e a graça, de suas risadas simples e de sua imensa fidelidade à minha sempre constante debilidade. Túlio é um desses homens raros, que não pode trair-se a si mesmo, que teima em ser escancaradamente ele mesmo, ainda que debaixo de pesados disfarces.

Quando orei por ele tive que me corrigir várias vezes em minhas palavras. A mente teimava em conjugar equivocadamente o verbo, como se falasse de alguém que foi, enquanto ele ainda estava ali. Será que estava? Nietzsche disse que não poderia crer num Deus que não soubesse dançar. Nem eu. Vejo em tudo o que olho os passos leves e precisos do bailar divino. Foi por isso que meu amigo atendeu pálido à minha saudação, diferentemente de tantas outras vezes em que ao som de minha voz o seu coração saltitou, pronto para a dança. Mas o Senhor chegou antes, e o tomou em seus braços e já agora rodopia com ele sobre as altas colinas.

Pouco importa se as pessoas estão ausentes, o que resta é saber se onde estão, encontram-se mais felizes do que se aqui estivessem. Penso em minha amiga Chica e em seu pequeno filho... como eles ainda queriam dançar... Há tanta música nesta vida e tanta dança em nossos pés, por que a festa tem que acabar tão cedo? Mas se eu bem o conheço... este não é um Túlio qualquer, é um Túlio “Vinícius”, deve ter ido, como fazia sempre o seu xará, para uma outra festa. Nesta existência a festa não cessa pra quem festeja, nem começa para quem a espera o melhor momento para celebrar.

Os antigos gregos falavam de “o barqueiro”, aquele que vem nos conduzir deste para o outro mundo. Noutra tradição, latina, costumou-se pensar na morte como “o ceifeiro”, aquele que vem nos desarraigar do chão desta vida. Em ambos os casos, as representações da morte não são “inimigas”, são condutoras, seres tranquilos e pacientes (pra que serviria a pressa?). Na mesma canção em que Francisco chamou o sol e a lua de irmãos, disse que a morte é nossa irmã. Suponho que esteja certo. Não tenho medo que Túlio morra. Tenho medo que ele viva sem vida. Não seria ele.

Findo este texto, escrito Deus sabe para quem, citando outro Vinícius vivo e morto:

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Recife, Dia de Finados de 2009

Carta Aberta ao Prof. Dr. Erinaldo Ferreira

Paz e Bem!

Não sou afeito a palavras de adulação ou atos bajulatórios, que estas e este não sejam encarados assim, porque não têm tal natureza. Em verdade, sou orgulhoso e narcisista demais para tais baixesas. Escrevo-lhe porque me exigem a consciência e a amizade, a primeira forjada antes de meu ingresso na Faculdade Metropolitana, a segunda nascida depois. Dou-me ao trabalho de reduzir a termos, as impressões de minha alma na faustosa tarde de ontem (dia 25 de fevereiro de 2010), quando de sua defesa de tese perante a banca examinadora do Doutorado em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Foi Chico Buarque quem disse: “quem não a conhece não pode mais ver pra crer, quem jamais esquece não pode reconhecer”. Durante a sua defesa reconheci o que conhecia e vi o que desconhecia. Reconheci, tanto na apresentação de seu trabalho quanto nas falas de cada um dos examinadores, a virtude de seu labor disciplinado e perseverante, que logrou produzir um escrito que, após ser aprovado pela unanimidade dos votos, teve a recomendação de publicação encaminhada pela banca à editora da Universidade. Reconheci o seu “quase-defeito” de ser simples e humilde em um ambiente onde a regra é a vaidade. Notei nas palavras dos doutores que comentavam sua tese, certo constrangimento ao perceberem que estava faltaldo algo em sua obra, a saber: como um indivíduo que faz tais descobertas, com um profundo esmero técnico e metodológico, não se arroga a nada, não se ufana de coisa alguma, a ninguém ataca e a ninguém desmerece? Quedaram-se assustados diante de uma realidade que para nós, membros do corpo desta Faculdade, é tão comesinha e constante como a sombra da mangueira que, senhora, enternece nosso campus.

Contudo, o real motivo que me animou a escrever esta missiva, não foi o que eu conhecia e, por isso, pude reconhecer. Mas aquilo que eu não conhecia e felizmente estava lá para ver e crer. Refiro-me à sua palavra de gratidão dirigida ao Prof. Geraldo Ferreira, antigo Diretor Acadêmico da Faculdade Metropolitana. Disse que agradecia a ele pelo apoio e estímulo durante todo o período de pesquisa e produção da tese. Mas, meu amigo, este agradecimento era completamente desnecessário. Aquele nobre e excelente colega não estava presente, ninguém ali era de sua relação pessoal, como poderia ele ouvir ou de algum modo chegar a ele suas sinceras palavras de gratidão? O que você fez não era preciso e só por isso é grandioso! Quando se faz o que exigem as circunstâncias ou os protocolos diplomáticos, desincumbe-se de um dever. No entanto, quando se faz o que não demandam de nós, nem de nós esperam os pequenos e mesquinhos que nos circundam, é que se revela a estatura de um ser. Amigo, talvez você não saiba, mas você é grande!

Sou grato a Deus pela graça de andarmos juntos nas pedregosas sendas da vida acadêmica e por gestarmos lado a lado o sonho de uma educação mais humanizada e eficaz.

Com carinho,

Prof. Martorelli Dantas