terça-feira, novembro 07, 2006



Como o mundo era grande quando eu era pequeno...

A maior casa do planeta era a casa da minha avó Cícera, no bairro da Várzea. Tinha milhares de hectares, um riacho passava no meio do quintal, havia galinhas, patos, cachorros... isto sem falar de uma infinidade de insetos de todas as cores e formas, a desafiar as minhas habilidades de caçador e, devo confessar, de médico legista. Como eu ficava feliz de ir pra lá. Quando meus pais viajavam e iam colocando os quatro filhos cada um na casa de um parente, eu já tinha destino certo. Mas assumo que nem era pela casa propriamente, era pelo quintal. Vovó precisava me chamar gritando para entrar e almoçar, pois eu não queria descer das árvores. Pra quê comer feijão e arroz se tem pitanga, jambo, banana, coco verde, mamão e manga... muita manga?
Minha avó é um doce de pessoa, hoje com quase cem anos, ela sempre soube me compreender. Sabia que eu queria me sujar, correr com os meus amigos, viver aventuras. Ah! Também tenho saudades da Barraca de Viana, onde eu podia comprar o que quisesse só dizendo que era filho de Hélio... Hélio de Seu Olegário. Quantas tardes sem fim passei entre aquele quintal e o campinho de futebol que ficava lá pras bandas da casa de Tia Lenira. Havia dois mundos imensos, um ao meu redor, outro dentro de mim, morando nas minhas fantasias e sonhos, que eram aquecidos pela vida simples espalhada por toda parte.
Uma das coisas mais tristes em crescer é que os nossos mundos vão diminuindo. A razão e a observação vão tomando o lugar do olhar criativo, capaz de inventar o cenário no próprio ato de enxergar. Nós vamos avançando na vida e nos tornamos menores na capacidade de apreciar pequenas experiências. Com o tempo vamos ficando tímidos e insensíveis. Não dá mais vontade de correr atrás de uma bolha de sabão e de voar, se for preciso, para alcançá-la a trinta ou quarenta metros do chão. Vai batendo aquela preguiça de enfrentar piratas e bandidos de todos os tipos, armado unicamente com um pedaço de cabo de vassoura, partido especialmente para se converter em uma espada, com poderes mágicos de fazer desintegrar o adversário com o mais leve toque. Tudo vai ficando tão real... tão pobre.
Eu trocaria sem pestanejar uma semana de adulto por uma tarde de criança. Quando eu era pequeno planejava que quando ficasse grande e tivesse meus filhos eu iria brincar o dia inteiro com eles, mas não dá. Agora eu sou adulto e adulto é cego e surdo. É incapaz de perceber a diferença entre uma caixa de fósforos e um edifício repleto de soldados alemães que precisamos derrotar com um exército de tampas de garrafa. Como eu não consigo ouvir o que dizem as bonecas de Thainá e que ela escuta tão claramente que é até capaz de pedir pra elas falarem mais baixo “porque painho está estudando”? Estou perdido! Sou irremediavelmente adulto.
Hoje, lamentavelmente, vou pouco à casa de minha avó. Talvez pelo desconforto de ver um quintal, comparativamente, tão pequeno. Lembro de ter perguntado a meu pai se tinham vendido parte do terreno. E ele, como se adivinhasse meus pensamentos, respondeu que não, que aquele quintal era do mesmo tamanho desde o tempo em que ele mesmo era menino. Mas o fato é que ele foi mais criança do que eu naquele lugar, e, quem sabe por isso, tenha absorvido mais dos seus encantamentos. Eu já era adulto aos 14 e meu pai uma criança aos 40. Há muito dele dentro de mim, mas é como se eu não pudesse deixá-lo fluir, sob o risco de fazer traquinagens demais.
Um dia ainda vou ter coragem de parar o meu carro no meio da chuva ao lado de um grande e belo telhado de zinco, fazer descer Thiago e Thainá e vou tomar banho bica com roupa e tudo ao lado deles. Não faz muito tempo que chamaram Claudicéia na diretoria do colégio, porque Thiago tinha se molhado todo num fiozinho de água que caía do telhado da escola. Ainda bem que foi Claudicéia, porque se fosse eu tinha brigado com ele: “Thiago, isso é bica onde você tome banho meu filho? Respeite a tradição da família e só tome banho em bica boa”!
Tão pouco já nos fez tão felizes. Tanto só nos tem permitido viver. Alguém aí empina papagaio?

Com carinho,

Martorelli Dantas

5 comentários:

Josielson Lira Matos disse...

Prezado Rev. Martorelli

Este "mal do crescimento" é algo que profundamente tem atingido as pessoas deste nosso Planeta. Creio que, apenas quem não teve o privilégio de viver a infância, é que não sente os olhos marejarem, ao ver uma criança curtindo os bons momentos, próprios do mundo infantil.
Não seria passar por uma crise de Peter Pan, se quizéssemos, algum dia, deixar de lado os estresses causados pelo corre-corre da vida e despertar uma alma inteiramente juvenil. Assim, poderíamos ver o mundo com uma outra ótica, mais pueril, ingênua, sem os males que absorvem e contaminam o mundo.

Josielson Lira Matos disse...
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Anônimo disse...

Oi Pastor,
adorei o texto, me identifiquei muito com a época em que era mais nova e ia pra o interior onde morei.
Realmente esse texto me fez refletir, pois muitas vezes com as "responsabilidades da vida" esqueço que ainda posso brincar de ser criança.
A cada dia admiro mais o sr. =)
Com carinho.

Anônimo disse...

Realmente... Quando crescemos passamos a não dar o devido valor ao 'simples', sempre procuramos os 'por quês' de tudo... Refleti bastante com o texto, pois, às vezes dizemos que não temos tempo pra nada e por conta disso deixamos de viver e de observar coisas tão belas que o Senhor criou com tanto carinho e dedicação... Como a beleza e o perfume singular de cada flor, o brilho das estrelas... Deus criou tudo de uma forma simples e nós complicamos tudo... Glorificado seja o nosso Deus!!

Anônimo disse...

Puxa! Como essa história me faz lembrar minha infância. Todo sábado era lei, ir-mos pra casa de vovó (minha amada vó - in memoria).
Gostava tando de cheirar aquela velha, engraçada e temente a Deus... quantas saudades ela deixou! Hoje, consigo ver o quanto ela era preciosa e amada... Costumamos perceber o quanto pessoas, coisas, momentos são importantes, quando não mais o temos e acabamos não dando valor a "esses detalhes", rotineiros, muitas vezes, mas tão preciosos que não voltam mais!!!
Com carinho,
Tanúzia Araújo
Ps. Obrigada por compartilhar um pouco de sua vida, coisas das quais nos ensinam tanto...