sexta-feira, agosto 22, 2008

Caminhar rumo ao desconhecido

Uma das tarefas mais difíceis para uma pessoa adulta é aprender a arte de navegar sem mapas. De se conduzir na vida sem, necessariamente, ter passos a seguir; modelos bem-sucedidos a copiar; exemplos norteadores que mostrem o que buscar e o que, precisamente, evitar. Não é sem razão que boa parte da população mundial vive perdida. Refiro-me, literalmente, a terrível realidade de que há um sem-número de pessoas que não faz a menor idéia de por que está aqui, ou seja, qual o propósito de sua vida. Suas existências resumem-se a “fazer o que é preciso pra sobreviver”. Não carregam ideais, nem se sentem em meio a construção de um projeto maior do que a basicalidade de se alimentar e alimentar os seus. Nestes casos bem pouca diferença há entre um ser humano e um animal qualquer.
Tão angustiante quanto, é ter um ideal para vida, imaginar algo pelo que valha a pena lutar e viver, mas não saber como fazê-lo ou sentir-se sem meios e sem forças para a realização. Estes também estão perdidos. Sucumbiram na crença de sua impotência ou foram esmagados pelos insucessos que acumularam ao longo de suas trajetórias. Ocorre com estes um estranho fenômeno, eles sentem que já conhecem a estrada por onde caminham, tudo ao redor é familiar e lhes remetem aos incontáveis infortúnios que tiveram, às frustrações que alimentam em suas fatigadas almas. Se conhecem as “pedras do caminho”, tal ciência não lhes anima a jornada, antes, provoca neles uma contínua sensação de deja vu do fracasso.
O que fazer? Por onde ir? Que projeto há neste mundo licencioso e imediatista que valha o esforço? Se as respostas fossem fáceis o problema a que nos referimos não existiria. Precisamos andar com calma, não queremos alimentar ilusões. Em primeiro lugar, é necessário que se creia que fomos colocados neste mundo, no lugar e tempo em que nos encontramos, com um objetivo; que temos um papel a cumprir na História; que nos importa colorir as páginas da existência com nossos singulares traços. Não digo com isto que devemos nutrir o desejo de não sermos esquecidos (todos serão esquecidos, mais cedo ou mais tarde, e no ritmo que a nossa sociedade avança, bem mais cedo que tarde), mas que devemos imprimir na vida a nossa marca, construir o mundo que desejamos, ainda que nunca citem o nosso nome ou nos prestem qualquer homenagem.
Mudar o curso das coisas pra melhor, este é o nosso desafio e o único bem que podemos operar, sabendo que tudo que foi mudado, mudado ficará. Os fatos não retrocedem, mesmo o indivíduo que depois de curado da embriaguez a ela retorna, não retorna o mesmo, sua alma é outra, bem assim o são suas dores. Já imaginou o fato de que todas as pessoas com quem você encontra nas ruas, aquelas pessoas a quem você saúda de passagem, aquela velhinha a quem você delicadamente ajudou a atravessar a estrada... cada uma destas pessoas foram transformadas? Não digo que foram feitas significativamente melhores ou piores do que eram, mas seu dia, sua hora, seu minuto foi mudado por você e tudo mudou em decorrência disso.

Em nossa Comunidade existe este hábito de nos abraçarmos e de, especialmente, abraçarmos os visitantes. São muitos os testemunhos de pessoas que me procuram pra dizer que o que mais lhes marcou no culto não foi nem a pregação nem os louvores, mas o acolhimento. Elas sentem que foram tocadas com afeto, que indivíduos que não as conhecem, não esperam nada delas e que delas nada receberam, se aproximaram com um sorriso e com o peito escancarado para o aconchego. Num mundo em que se vai pra cama com alguém em quem nunca se fez um cafuné isso faz toda a diferença. Somos seres carentes, todos nós. Precisamos de companhia, de compreensão, de sentimento de pertencimento. Todas as vezes que oferecemos isso a alguém, estamos provendo as nossas próprias almas do bem que distribuímos.
Jesus chamou seus discípulos de “apóstolos”, que em grego quer dizer “enviados”. Depois a igreja transformou o movimento em título, em cargo de poder e autoridade. Mas, originalmente, ser apóstolo é tomar destino rumo ao desconhecido, ao novo, ao desafiador. Creio que todos deveríamos ser apóstolos. Não me refiro a ir na direção de terras inóspitas e distantes. Penso que deveríamos ir à desconhecida, ao desconhecido e lhe falar do amor do Pai. Minha vida tem um e somente um propósito, a saber, amar-servindo. Não obstante, quero fazê-lo não aos meus filhos e parentes, não aos meus amigos e colegas, somente; quero fazê-lo ao desconhecido, àquele de quem nunca saberei o nome, como é o caso, provavelmente, de você que lê este texto e que não tardará a esquecer o meu (nome difícil de lembrar). Isto não importa. O que interessa é que hoje eu pude lhe toca, lhe dizer que há um motivo pra viver e lutar: fazer alguém mais feliz; fazer com que a dor de uma pessoa se aproxime mais do suportável; que a solidão se desfaça; que o direito de sonhar seja recuperado. O Pe. Antonio Vieira, em um memorável sermão sobre a parábola do semeador, comentou que o diabo, em uma das tentações que fez a Jesus, lhe sugeriu trocar todos os reinos, suas riquezas e glórias pela alma do Mestre. O Salvador não quis... mas tanto por tão pouco, não valeria? Nossa alma é tudo que temos, quem vende ou negocia a sua consciência, abre mão de tudo que é, e de que adiantará ter se já não se é? Hoje há uma alma a resgatar e para isso basta um sincero e afetuoso gesto de amor.
Um carinho,
Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

sexta-feira, julho 25, 2008

Livrando-se das Garras da Rejeição

Há basicamente dois tipos de acontecimentos na carreira humana: aqueles dos quais lembramos e alteram o curso de nossas vidas e aqueles dos quais nos esquecemos, mas que igualmente definem novos rumos para a nossa história. Logo, quer os fatos tenham sido lançados no profundo abismo do inconsciente, quer estejam continuamente presentes diante de nossos olhos, as nossas vidas são e serão sempre influenciados por eles. Isto porque não há encontro ou desencontro nesta existência que não nos mude, mesmo o mais rápido e aparentemente insignificante olhar, ou aquela leitura feita às pressas, deixam suas marcas naquilo que somos e continuamente estamos vindo a ser.

Faça uma experiência, pegue uma folha de papel em branco e peça para os seus amigos fazerem livremente desenhos, riscos ou escreverem palavras nela... assim é a sua alma. Cada pessoa que passa em sua vida deixa marcas. Estas podem ser mais ou menos visíveis, mais ou menos importantes, mais ou menos influentes no nosso peculiar modo de ser, mas estas marcas existem e estão lá. Obviamente que alguns destes registros podem ser um transtorno, podem nos influenciar negativamente, podem ser mesmo um peso para muitos de nós. Como não podemos simplesmente apagá-los, precisamos aprender a conviver com eles e corrigi-los, lançando, quem sabe, sobre eles novas compreensões que corrijam a rota que as malévolas impressões tentaram nos impor.

Sim, isto é possível e necessário. Na verdade, quer saibamos quer não, o tempo todo nossas memórias estão sendo, elas mesmas redefinidas por novos acontecimentos e/ou reflexões que fazemos. Nada em nós é estável e imutável, o oposto é que é a realidade. A única permanência é a contínua mudança de tudo em nós. Mas a questão é como fazer com que estas mudanças representem crescimento, amadurecimento e melhor qualidade de vida. É exatamente sobre a este esforço de auto-gestão emocional que eu quero dedicar este pequeno artigo.

O primeiro passo será sempre invocar para a consciência aquilo que nos incomoda. Desde Freud que falar sobre o assunto parece ser o melhor caminho para isso. Em lugar de fazermos o que geralmente nos parece mais cômodo, que é evitar aquelas temáticas que nos são desconfortáveis, é o caso de nos perguntarmos as causas de nos sentirmos como nos sentimos e de agirmos como efetivamente agimos. O princípio socrático do “conhece-te a ti mesmo” ainda é o mais seguro e produtivo percurso, muito embora, isto, por vezes, exija de nós mexermos em assuntos inquietantes e constrangedores. Esta trajetória pode exigir que nos encontremos com pessoas que estiveram presentes em nossas vidas na infância e até mesmo antes de nascermos para que possamos dominar completamente os sentimentos e acontecimentos que nos rodeavam neste período tão importante de nossa formação, pois sentimentos também são “acontecimentos relevantes”, na medida em que mesmo os sentimentos de outras pessoas entram em contato conosco de modo poderoso.

Um exemplo disso é a rejeição. Não ser ou não se sentir amado é algo duríssimo de lidar. É complicado saber que o que as pessoas nos fazem ou sentem por nós é o reflexo de suas próprias caminhadas e não, necessariamente, uma reposta ao que de fato somos. A realidade é que a rejeição ataca a nossa auto-imagem e pode nos machucar muito. Quando isto acontece com uma criança então as conseqüências, freqüentemente, são avassaladoras. Um bebê é um ser em formação em todos os sentidos, um feto o é também. Nesta fase já são completamente sensíveis ao amor, à raiva, ao medo e a toda sorte de sentimentos humanos. Imagine o que é ter a rejeição como o primeiro sentimento discernido pela alma! É terrível, mas, com a graça de Deus, nós podemos superar até mesmo isso.

Um caminho excelente para nos libertarmos das memórias que tentam nos aprisionar relacionadas à rejeição é lembrar que Deus nos ama e nunca, nem agora nem em nenhum outro momento de nossas vidas, Ele nos rejeitou. Ele que é santo e puro, diferente das demais pessoas com quem temos convivido, Ele que tem todos os motivos do mundo para nos virar as costas, jamais deixou de nos amar. Quando ainda estávamos no ventre de nossas mães, amados ou não por elas e pelas pessoas que a cercavam, nós éramos declarados eleitos pelo amor divino e desde então Ele deseja que nos aninhemos em seus braços ternos. Queria muito que todos nós mantivéssemos a mente bem consciente disso, que há um amor e uma aceitação que supera todas as outras. Nós somos e sempre seremos acolhidos em Deus. A única coisa que Ele deseja e espera de nós que aceitemos o seu amor por nós e que nos amemos também. Faça isso! Não rejeite nem a si mesmo nem a seus irmãos. Paz e Bem!

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org
Uma Tortura Chamada Solidão

Ando lendo Fernando Pessoa, não seus poemas e tratados, mas suas cartas íntimas. Escritas de Lisboa ao amigo Cortes-Rodrigues nos anos entre 1914 e 1916, quando a Europa se debatia nos horrores da primeira guerra (nego-me a chamá-la de “grande”, para mim toda guerra é pequena, posto que o é em seus motivos e propósitos). Confesso que me sinto intruso em um universo secreto, feito não para mim ou para os que as lêem hoje, mas para aquele em quem confiava o coração do poeta, a ponto de lhe falar de suas crises emocionais, seus desertos criativos, suas freqüentes depressões, suas ambições revolucionárias... a ponto de lhe pedir (com freqüência, diga-se) dinheiro emprestado. Até nisso as cartas me consolam. Notem que, diferentemente do que se diz alhures, a condição econômica nada tem a ver com o gênio dos homens ou com as empresas a que se dedicam. A história está cheia de “quebrados” brilhantes, com imorredouros legados. Mas não façamos disso uma virtude... há aqueles que nem sábios, nem doutos, nem empreendedores são apenas desafortunados, no sentido etimológico da palavra.

Pessoa é uma alma outonal. Lendo-o sinto o vento frio e cortante das tardes em que caem descansadas as folhas na capital lusitana. Na verdade, ele deveria se chamar Fernando Pessoas, já que seus heterônimos (outros nomes com que escrevia) são pessoas completas, com data de nascimento e morte, com quem dialoga o poeta. Ele não simplesmente os cria, ele cria neles, ele sofre e convive com eles. Imagino ser o resultado da busca de convivência, de laços comunais, na vida de quem a solidão machucava tanto. Esta é a razão pela qual, no final de cada carta, Fernando não apenas pedia que seu amigo lhe escrevesse logo de volta, mas, também, que o fizesse longamente. O ser humano não foi feito para a solidão, esta lhe é agressiva e enlouquecedora. Os generais sabem disso, e fizeram da “solitária” uma das mais severas e profundas torturas. Não precisam bater, humilhar ou ameaçar o detento. Basta deixá-lo sozinho, sem acesso a sons, imagens ou figuras; sem que se dê conta se é dia ou noite; sem que sinta sequer a presença das sombras externas, como no Mito da Caverna de Platão. Quando um homem é posto assim, em absoluto isolamento, a sua própria mente se converte em seu mais cruel algoz.

É num contexto como este, que a nossa natureza animal revela um dos mais curiosos expedientes de adaptação e sobrevivência. No início, o ser isolado começa a conversar consigo mesmo, fala de suas raivas e frustrações; relembra a sua caminhada e as razões que o levaram àquela punição; pensa no que fará assim que sair dali. Contudo, não demora muito até que este solilóquio seja interrompido por um “mas”. Após a adversativa vem o esforço de compreender o “outro lado do assunto”. O monólogo se transforma em debate interior, como nos filmes de desenho-animado em que um diabinho fala à altura de um dos ombros e um anjo se coloca na posição oposta. O diálogo interno, tantas vezes uma salutar relação dialética interior, vai se fixando e as “personas” vão se cristalizando. Não tarda para surgir o necessário mediador entre os dois, uma terceira voz. Outras muitas vão chegando à medida que o isolamento prossegue. Se a liberdade não chegar logo, ao ser solto e se perguntar: Qual é o teu nome? Corre-se o risco de ter como resposta: “legião, porque somos muitos”.

Os nossos irmãos, monges tibetanos (se Francisco chamava o sol e a lua de irmãos, como não chamaria de irmãos seres humanos como eu), desenvolveram, após milênios de estudo e meditação, uma forma de aplacar esta fome voraz da alma por companhia. Chamam de Nirvana, um estado de quietude da mente, conduzindo-a, como quem poda bonsai, à uma libertação da tirania dos pensamentos, manifesta em uma condição profunda de silêncio emocional. Acho isso tudo lindo, mas prefiro um bom e simples “papo de mesa de bar”, técnica desenvolvida pelos “monges” cariocas de neutralizar o processo de multifacção da mente. Compreenderam que a melhor maneira de evitar que a sua mente se divida e fale um monte de besteiras é permitir que outras mentes o façam, ao sabor de um filé com fritas, tão essencial para os últimos sábios, quanto o incenso é para os primeiros.

A verdade é ainda mais antiga do que todas as até aqui referidas. Foi dita pelo Criador pouco antes da história humana começar: “não é bom que o homem esteja só”. É por esta razão que somos uma Comunidade Cristã, porque nada que é realmente significativo e importante se faz sozinho. A arte da vida é viver com e para os outros, sem ter a necessidade de viver como os outros. Aprender a ser quem é em respeito e comunhão com todos que são como são, na certeza de que tanto nós quanto eles somos “um processo”. Somente Deus é o que é. Paz e Bem!

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quinta-feira, julho 10, 2008

Escute a flauta do pastor

Sempre me impressiona o fato de que todos nós, por mais simples que procuremos ser, estamos cercados de ameaças e de perigos. Não foi sem razão que Jesus nos advertiu que estava nos enviando como ovelhas para o meio de lobos (Mt. 10:16). Os riscos são tantos que, não raro, para se sentirem mais seguras, muitas ovelhas preferem se transformar em lobos também, mais ou menos nos termos do adágio popular: “em terra de sapos, de cócoras com eles”. Sem dúvida, a vontade do Mestre é que aceitemos a “dangerossíma” aventura de continuarmos sendo ovelhas em um mundo cada vez mais empestado de seres famintos, ferozes, sagazes e traiçoeiros... esta é a natureza dos lobos.

Vi muitas vezes ao longo de minha vida o poder que têm os interesses mesquinhos para impulsionar as pessoas. Como são capazes de iludir, mentir, machucar e seduzir... tudo para usar os outros para a satisfação de seus instintos adoecidos, que nunca cessam de cobiçar, de desejar com mais e mais intensidade, de alargar suas já incomensuráveis ambições. Num cenário assim é natural que nos desanimemos e, por vezes, até nos desesperemos. O tempo todo nos assedia o pensamento: será que vale a pena viver como somos neste mundo que é como é? Quando a resposta é “não, não vale” nem isso nos alivia a alma, posto que ser o que somos não é uma escolha, é a nossa natureza, como o é a dos lobos e raposas que nos espreitam.

É em momentos assim, quando tudo em mim é medo e tudo fora de mim é perigo, que me recordo de buscar ouvir a flauta do Pastor, como ensinou o Mestre Benjamim. Esta é uma estória do Rubem Alves em um de seus mais recentes livros, “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Ele conta que em uma aldeia distante, numa brenha qualquer deste mundo, era costume que os meninos todas as noites fossem à tenda do Mestre Benjamim, para ouvir palavras de sabedoria que procediam dos lábios do homem mais sábio das redondezas. Numa noite em particular, em que chovia e relampeava e se podia escutar o uivo dos lobos misturado com o barulho dos ventos, as crianças estavam tomadas de medo. Uma delas com os resquícios de coragem que lhe restava, perguntou ao Mestre: é tão ruim sentir medo, não há modo de nos livrarmos do medo? Ao que recebeu como resposta: Há sim, basta ter a mente das ovelhas.

Mas como é a mente das ovelhas? Perguntou outra criança. Explicou Benjamim: as ovelhas são seres frágeis e indefesos, mas vivem cercadas de grandes e graves ameaças, são lobos, ursos e leões que por toda parte armam emboscadas e preparam ataques à procura de quem possam devorar. Como conseguem elas se sentir tranqüilas e seguras num mundo assim? Bem, as ovelhas têm um pastor que delas cuida e protege. Sua segurança não é o resultado da ausência dos perigos, mas da presença do pastor. À noite... quando se adensam as ameaças sob a sombra das trevas, o pastor toca a sua flauta. As ovelhas não vêem seu pastor, mas escutam o som de sua flauta e aquele som lhes penetra tão profundamente a alma e a mente que bane completamente todo medo. O som doce e melódico do instrumento do pastor lhes recorda que ele as conduz para as águas tranqüilas e para os pastos verdejantes; que a sua vara e o seu cajado lhes protegem; que nem dormita nem dorme o seu bom pastor. Depois de ter contado isso, outra criança pergunta ao Mestre: os sons da flauta assustam os lobos e afastam os perigos? Ao que Benjamim responde: Não meu filho, o problema das ovelhas não é o perigo dos lobos, mas a força do medo que as paralisa e diminui. O som da flauta afasta o medo não os lobos.

Quanto tempo faz que você não escuta o som da flauta? Parece-me que estamos focados demais em nos manter livres dos lobos, que são cada dia mais ferozes, poderosos, sutis e ardilosos, para que nos reste tempo para identificar os numerosíssimos sinais da presença de nosso Pastor em nossas vidas. Estamos empenhados sobremaneira com ações humanamente preventivas, que visam manter longe os lobos, armados de inteligência e medo. Medo, medo... muito medo. Sem saber que o medo nos matará antes dos lobos e amaciará a nossa carne para suas gulosas refeições. Nós não podemos vencer todas as feras e basta uma para nos liquidar, mas podemos deixar que Deus nos livre do medo. Por isso, meu amigo e irmão, quando lhe assaltarem o medo ou o desespero decorrentes dos infindos perigos circundantes escute o som da flauta. Se prestar bem atenção conseguirá até ouvir que canção ela toca... é uma antiga melodia que diz: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Paz e Bem.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quarta-feira, junho 18, 2008

As Fogueiras de São Pedro

Alguns elementos quase que desapareceram completamente dos festivos juninos, outros rarearam de tal modo que com muita dificuldade os vemos em nossos dias. Por motivos de segurança, desapareceram os belíssimos balões que enchiam de leveza e sedução os céus de minha infância; as residências com pequenas bandeirolas decorando-as e as ruas transformadas em arraiais dos folguedos matutos são praticamente impossíveis de ver com a naturalidade com a que eram encontradas anos atrás; as fogueiras que na década de 70 estavam presentes na frente de cada residência, hoje são encontradas apenas nas fachadas dos mais tradicionais, até porque muitos de nós moramos em apartamentos que ou inviabilizam ou esvaziam de sentido tudo isso.

Para os saudosistas como eu, já não existe a Festa de São João, pois já não há quadrilhas que não sejam dedicadas exclusivamente para dançarinos profissionais, não se encontram mais espaços onde seres “desuingados” como o autor deste texto, possa se alegrar e sorrir com seus pares na levada dos balancês e alavantus. Lembro como muitas vezes eu chegava em casa, depois de ir de arraial em arraial durante toda madrugada, por volta das 5h da manhã e passava pelos restos das fogueiras que tinham ardido durante toda a noite. Elas haviam passado pelas várias fases, a beleza da incandescência inicial, com labaredas altas e violentas, depois aquele ardor contínuo e leve, até chegar aos estertores, às cinzas ainda reluzentes, o melhor momento para assar um milho verde. Mas há fogueiras que não se apagam nunca. Que foram acesas há dois mil anos e continuam como na primeira noite.

Nos Evangelhos existem duas e apenas duas fogueiras, ambas relacionadas à pessoa de São Pedro. A primeira foi acesa no pátio exterior da casa de Anás, sogro do sumo-sacerdote Caifás, para onde Jesus foi levado depois de ter sido preso no jardim do Getsêmani (Lc. 22:55). Ali, assentou-se Pedro, tentando passar desapercebido no meio dos curiosos que se aglomeravam naquele local para saber qual seria o destino do Rabino Galileu. Foi nesta geografia que se realizou a tríplice negativa do apóstolo, afirmando em meio a juras e impropérios que não conhecia o Encarcerado. Esta é a fogueira da queda, da vergonha, da negação, do desrespeito. Nela os ideais e os compromissos de amor foram queimados, lançados ao fogo pela covardia associada à fraqueza. O resultado desta combustão terrível é a amargura de alma, foi assim que o pescador deixou aquele local e assim deve ter permanecido muitos dias, mormente porque em seguida Jesus foi julgado, crucificado e morto... e Pedro não estava lá.

Graças a Deus há outra fogueira. Esta não foi acesa pela curiosidade, pela necessidade ou pelo medo, mas por amor. Refiro-me àquela que foi acesa por Jesus, já ressurreto na praia do Mar da Galiléia (Jo. 21:9), lugar onde três anos antes ele havia travado os primeiros contatos tanto com Pedro, quanto com André e João. Os discípulos tinham voltado à antiga prática da pescaria, eles costumavam fazer isso durante a madrugada com o objetivo de atrair os peixes com a claridade de suas lamparinas, mas naquela noite, mais uma vez, eles não tinham tido sucesso, estavam terminando o trabalho daquela noite sem terem colhido nenhum resultado. Quando se aproximaram da margem, ouviram uma voz de homem que lhes perguntava se tinham apanhado alguma coisa e eles responderam que não. Foi então que este homem lhes disse: “joguem do lado direito suas redes!”. Fizeram isso e pescaram muitíssimos peixes. Aquela frase e aquele resultado levaram a João a recordar, a ter uma sensação de deja vu, e se deu conta que este homem era Jesus.

Eles puxaram os barcos para a praia e encontraram Jesus assentado em um canto, com a fogueira acesa e com alguns peixes assando, bem como pão para uma refeição matinal que teriam ali. Esta é a fogueira da restauração, ela não é apenas acesa por Jesus, os pães e peixes também são dele, ele tudo provê. Foi ali bem perto que o Salvador perguntou a Pedro: “tu me amas?” E ouviu por três vezes a mesma resposta do pescador: “Eu te amo”, ao que lhe disse Jesus: “apascenta as minhas ovelhas”. Sobre cada negação Cristo sobrepôs uma oportunidade de reafirmação da fé e do compromisso. Para cada ato de renovação, Jesus ofereceu uma corroboração da mesma antiga vocação de amor e serviço ao próximo.

Amigo, irmã... pode ser que você esteja vivendo a tristeza e a amargura da queda, ao redor da fogueira do desencontro, mas fique sabendo que seja lá o que você tenha feito, dito ou deixado de fazer, há uma outra fogueira para onde você pode ir. É lá que Jesus está lhe esperando para comer com você um sanduíche de peixe e te oferecer perdão e verdadeira paz, por falar nisso... Paz e Bem!

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quinta-feira, junho 05, 2008

Eu acredito em dragões!

Esta vida é engraçada. Existem lendas em que quase todos crêem e verdades nas quais quase ninguém acredita. Este é o caso dos dragões, aqueles seres com os quais estamos tão familiarizados desde crianças, que fazem parte das estórias que lemos, ouvimos e vimos em filmes e desenhos animados. De tanto vê-los assim, “mitificados”, somos induzidos a pensar que eles não existem, mas eles são bem reais. Eu mesmo já vi muitos dragões, e daqueles de cujas bocas saem fogo que consome suas vítimas.

Há uma ilha na Indonésia chamada Komodo. Lá encontramos dezenas de dragões, eles são chamados de dragões de Komodo, podem chegar a ter 3,5 m de comprimento e pesar 125 Kg. São enormes. Parecem-se com lagartos gigantes, mas se deslocam com lentidão. Sua arma letal é a boca inflamada. Assim como os tubarões, os dragões de Komodo têm fileiras de dentes, onde ficam depositados os restos de suas refeições e ali elas apodrecem, produzindo diferentes e potentes tipos de bactérias. Ao atacar suas vítimas, geralmente de emboscada ou aproximando-se delas silenciosamente, basta-lhes dar uma abocanhada e em seguida soltá-las. As bactérias farão o resto do trabalho. Seguem as vítimas de longe, vendo-as serem paulatinamente consumidas pelos pequenos monstros que eles nelas introduzem mordendo-as.

Sim, mas eles soltam fogo pela boca? Claro! Você já teve uma infecção violenta? Se teve, sabe que a sensação é que se está pegando fogo. Um calor que partindo do ferimento vai se espalhando por todo corpo e isso vai consumindo o enfermo. Se ele não for socorrido logo pode vir a óbito em poucas horas. É o caso das refeições do lagarto em tela. São Tiago diz que é comum haver também dragões humanos, mas neste caso o veneno, as mortíferas bactérias, não estão depositadas em seus dentes, mas nos órgãos da fala. Ele diz: “a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como é posta ela mesma em chamas pelo inferno” Tg. 3:6.

Estamos diante de uma realidade terrível, poucas pessoas têm sido vítimas em nossos dias dos dragões pesados e desajeitados de Komodo, mas em toda parte, na família, nos negócios, nas relações fraternas... abundam os que cambaleiam tocados por línguas ferinas que, nas palavras do escritor sacro, estão a serviço do diabo e do inferno. Mas como elas fazem isso? Há basicamente três formas de envenenamento: a mentira, a provocação e o lançamento de dúvidas. Muitas vezes estes venenos são administrados conjuntamente e acabam produzindo mais celeremente seus efeitos. Analisemos brevemente cada um deles.

A mentira sobre a qual estamos falando não é aquela que é animada pela covardia de quem não quer assumir a responsabilidade de suas escolhas e de seus erros. Referimo-nos à mentira que é a distorção de fatos com o objetivo de prejudicar uma pessoa. Mente quem inventa tais narrativas e quem as repassa sem que tenham sido verificadas, isto porque estes últimos são úteis ao propósito de destruir àqueles sobre quem se fala. Pergunte-se apenas uma coisa: se algo ruim está sendo dito sobre alguém, por que eu tenho que participar disso? Por que eu devo dar a minha contribuição para elamear a vida e a história de uma pessoa? Caso o que se diz seja verdade, ela não precisará de minha ajuda para se firmar. Caso não seja verdade, não é bom nos manchemos com o sangue de um inocente.

O segundo tipo de veneno a que nos dispomos a pensar é a provocação. Isto ocorre quando uma pessoa se permite instrumentalizar para lançar discórdia entre dois irmãos. Instiga um contra o outro, faz aquele papel de menino safado que fica dizendo: “carinha da mãe de um, carinha da mãe do outro”, para que crianças abobalhadas ferindo o objeto que representa a mãe do então adversário se envolvam numa briga, enquanto o que a provocou ri de ambos. Este é sem dúvida um agente do diabo. O livro de Provérbios diz que se há algo que Deus abomina é quem lança discórdia entre irmãos (Pv. 6:16-19) e Jesus nos ensinou que são bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus (Mt. 5:9). O que você é?

O último veneno a ser comentado é o que se presta a lançar dúvidas. Não se trata de mentira, porque a sagacidade do agente não o faz fazer afirmações. Nem se trata de provocação, porque necessariamente a dúvida não é lançada para criar contendas entre duas ou mais pessoas. Há pessoas que são realmente mestras em tirar a paz e a segurança dos outros, uma vez que o que nos aquieta a alma é a possibilidade de ancorá-la em alguma certeza. Em Otelo, o dramaturgo inglês Shakespeare, com refinamento incomparável cria o “inferno da dúvida”. Posto que a dúvida não nos tira apenas a determinação no agir, mas retira a tranqüilidade em decidir, seja lá qual for a decisão.

Quer um conselho? Afaste-se de dragões, sejam eles quais forem. Escute esta exortação: se você é dragão se converta!

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

sábado, maio 31, 2008

Entre Nietzsche e Hodge

Quando me sentei para escrever este artigo, minha mente logo se reportou às palavras introdutórias de Nietzsche em A Gaia Ciência. Ele havia se recuperado de uma grave enfermidade e estava com o espírito em festa por poder volta ao labor da escrita. Disse que quando se vive este estado de “beirar a morte” e se tem a oportunidade de regressar às dinâmicas da existência, volta-se como quem “ama uma mulher em quem não se confia”. A mulher é a vida, amá-la é urgente, mas se faz isto sem que a entrega seja total, meio que com um pé atrás. Sabe-se que não se pode confiar no tênue fio que prende os mortais a este mundo. Durante os últimos quinze dias eu estive seriamente doente, como nunca antes tinha estado em minha vida. Já tive hepatite, cálculo na vesícula e viroses sem fim, mas nunca me senti tão debilitado, nem tão angustiado ante as demandas que continuamente assolavam minha alma, para as quais não podia dar resposta.

Nietzsche é a mente filosófica mais próxima a minha. Ele é muito mal-falado (nisto também nos identificamos), contudo, a grande maioria de seus críticos arremessam contra ele suas setas sem que o tenham lido ou se esforçado para compreendê-lo. O ponto de partida para isso é lembrar que estamos diante de um filho e neto de pastor. Poucos sabem o impacto que crescer dentro de um ambiente densamente religioso pode causar numa alma. Meus avós, tanto maternos quanto paternos, eram religiosos, presbiterianos e congregacionais, respectivamente. De ambos os lados estava eu decisivamente influenciado pela teologia calvinista, vinda especialmente da matriz norte-americana, nas levas de missionários chegados ao Brasil em meados do século XIX, sob influência direta de Charles Hodge, o grande doutor de Seminário de Princeton.

Hodge era um pensador sistemático, como de resto o são os protestantes. Seu pensamento é esquemático, seu Deus é esquartejável, cabe em compartimentos, em tomos teológicos analisáveis pela lógica cartesiana. Fui durante mais de 15 anos professor de teologia sistemática e de hermenêutica bíblica. Trabalhei nos grandes seminários do Recife. Parece que fui um bom discípulo daqueles que são capazes de reduzir a vontade, a mente e as ações divinas em coordenadas e abscissas. Sabia fazer as interpretações que tomam os textos bíblicos como instrumentos de “prova” das antigas verdades (qualquer coisa de 400 anos é antiga para quem tem 40, contudo conheço heresias mais velhas). O dogma da harmonia das Escrituras era o martelo e o formão para deixar plano o sinuoso e a lamparina para clarear o obscuro. Mas fiquei velho para tais contorcionismos, quero ver o que se pode e aprender a andar na penumbra onde a natureza não lançou luz.

Nietzsche muito me ajudou nisso tudo. Aproximei-me dele através das frases bombásticas, como a maioria das pessoas. Afirmações como a de que Deus morreu me impressionaram, queria saber do que ele estava falando, queria ler o autor de contundentes assertivas, forjadas em um coração tumultuado, crescido num lar luterano. Entendi o que ele queria dizer. O deus que morreu é aquele que já não cabe em uma alma livre. Liberta pela revelação de que o verdadeiro Deus é Pai presente e amoroso, de que não é alguém a quem temer, mas para se confiar e contar. O filósofo alemão nos chama para viver o aqui e agora, mas acima dos tabus e preconceitos nascidos das taras moralistas da hipocrisia reinante. O deus que morreu é o de Hodge.

Faz alguns dias que eu estava com Karina, lendo, em minha convalescência, Crime e Castigo de Dostoievski. Ela, que cuidava de mim em uma daquelas intermináveis noites, me perguntou sobre o que queria Nietzsche dizer com a doutrina do “eterno retorno”. Expliquei-lhe que ele construiu um critério para validar as escolhas que fazemos em nosso dia-a-dia. Imagine que a vida é uma constante repetição, que as decisões que tomamos agora retornarão infinitamente. Ou seja, esta nossa conversa neste quarto voltará sempre a acontecer, tendo isto em mente se pergunte: é isso mesmo que eu quero fazer? Olhei em seus olhos e disse que seria para mim um imenso prazer viver para sempre o vivido ali. “Oh! Minha amada que olhos os teus!”.

Hoje, presente supremo de Deus que me fez voltar à vida, quero apenas caminhar e sorrir com meus companheiros. Buscar a alegria e fugir da dor, ajudando a quem puder a fazer o mesmo movimento existencial. Sofrer é inevitável, mas aprendamos com ele. E em tudo nos esforcemos para não fazer sofrer.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quarta-feira, abril 16, 2008

Como uma vida espiritualizada pode ajudar a sua carreira profissional

Todos os seres humanos são providos de espiritualidade, bem como de emocionalidade e corporalidade. Negar isso em nossos dias é como deixar de reconhecer que há sol, lua e estrelas no firmamento ou que há os mares, a superfície e a atmosfera na Terra. Como nos exemplos dados, o espírito, a mente e o corpo, mesmo estando intimamente ligados, são diferentes e separados entre si. O corpo é a parte mais evidente do nosso ser e é através dele que temos contato com todas as realidades que nos cercam. É o nosso portal de acesso à vida e, por isso mesmo, digno de cuidados e de honras. A mente, sede de nossas emoções (chamada de psiquê ou alma pelos gregos), é a dimensão do nosso ser que transforma as informações recebidas pelos sentidos em emoções, e estas, por sua vez, nos impulsionam a agir ou recuar diante das situações concretas da existência. Sim, mas o que é o espírito?
O espírito é o elemento de equilíbrio entre estas duas dimensões do ser anteriormente explicitadas. É o elo de comunicação superior entre os seres vivos, um construtor de pontes entre tudo quanto espiritualmente existe, fazendo com que deles nos aproximemos ou afastemos. O espírito não pode ser reduzido em termos racionais ou lógicos, porque gravita numa esfera superior a estas habilidades. Por esta razão que nos afeiçoamos de determinadas pessoas ou as rejeitamos sem sequer conhecê-las; que pais e filhos estão continuamente ligados mesmo separados por quilômetros de distância; que há pessoas que alegram o ambiente quando chegam, enquanto outras trazem consigo um peso inexplicável, como se lançassem uma sombra sobre tudo o que tocam ou falam.
Na década de 90 um psicólogo da Universidade de Harvard, Daniel Goleman, publicou um livro que trouxe uma nova compreensão das relações humanas, com grande impacto sobre a gestão de carreiras e seleção de pessoal. Estou me referindo à obra intitulada Inteligência Emocional. Nele Goleman afirma que mais importante que o coeficiente de inteligência (o nosso conhecido QI), que mede a capacidade de processar informações e resolver problemas lógicos, existe um índice que trata da capacidade de enfrentar problemas como pressão, estresse, angústias e medos, este seria o coeficiente de inteligência emocional. A conclusão a que muitos chegaram desde então é que empresas não precisam tanto de gênios do xadrez ou brilhantes matemáticos, mas, especialmente nas posições de comércio, recursos humanos e marketing, de pessoas equilibradas, capazes de trabalhar em equipe e que contribuam para a solução de crises quando, eventualmente, estas se instalarem.
Seguindo este princípio, creio que seria conveniente falarmos também de Inteligência Espiritual, ou seja, a capacidade de estabelecer um nível de comunicação consigo e com as pessoas que estão ao nosso redor que transcenda a razão e que ajude o próprio universo emocional a se manter centrado. Recentemente os psicólogos vêm chamando a nossa atenção para o que eles chamam de capacidade de resiliência, expressão que vem da física e define a capacidade dos materiais de resistirem a impactos e pressões sem se deixarem deformar, partir ou quebrar. Esta é uma capacidade mais que emocional, creio eu, posto que é uma característica de gestão do próprio mundo emocional, mas que escapa a este. Em minha opinião a resiliência nos seres humanos é uma força do espírito, assim como o é o empreendedorismo e a determinação. Estes são alimentados pela fé que é a capacidade de ver o que não há e de saber, ainda que não haja motivos lógicos que fundamentem esta ciência, que a vitória virá.
Um dos mais recentes livros do guru americano em administração de empresas e carreiras Stephen Covey, chama-se O Oitavo Hábito, é uma espécie de continuação do best-seller Sete Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes. Nele Covey acrescenta aos hábitos emocionais e operacionais que havia elencado em sua obra anterior a capacidade de ouvir a sua voz interior. Este seria, segundo ele, o oitavo hábito. Mas que voz é esta que fala em nosso interior? É a voz do espírito. Não apenas ser capaz de ouvir a voz que fala em nós, mas também a que fala dentro das pessoas que caminham conosco (discernir espíritos, para usar uma expressão bíblica) é um diferencial profissional significativo.
A pergunta é como se pode desenvolver tal capacidade? Em primeiro lugar, é necessário que nos saibamos seres espirituais, que tudo em nós não se resume a corpo e emoções. Depois, é preciso que vejamos a habilidade de nos encontrarmos espiritualmente como algo a ser desenvolvido, tal qual a de falar outros idiomas ou de dominar novas tecnologias. Drummond, o poeta mineiro, foi quem disse que depois do homem realizar muitas viagens intergalácticas e cibernéticas restará a ele a “dangerosíssima* viagem de si a si mesmo, por o pé no chão do seu coração... estará ele preparado?”. Este é, como o são os oceanos, um universo próximo, mas ainda desconhecido para a maioria de nós.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

* “dangerosíssima” é uma expressão inventada pelo poeta (um neologismo), uma brincadeira com a palavra inglesa danger, que significa perigoso. Assim dangerosíssima significaria perigosíssima ou dificílima viagem.

terça-feira, abril 01, 2008

Exorcizando fantasmas ou aprendendo a viver com eles?

Uma das melhores cenas do clássico El Cid, estrelado por Sophia Loren e Charlton Heston na década de 60, é aquela que se dá na mesa do jantar da noite de núpcias. A bela Gimene (personagem de Loren) diz ao seu esposo, Rodrigo (Heston) que precisa lhe contar um segredo, algo que ele deveria saber antes de consumarem o casamento. Argumenta ela que não deve haver segredos entre marido e mulher. Já imaginando o que seria e querendo evitar que a sua amada noiva passasse por um grave constrangimento confessando o que fizera, Rodrigo diz que mesmo entre marido e mulher, às vezes, importa que haja segredos. Insistindo na confissão, Gimene afirma que aquilo que não é dito, que é mantido escondido entre um casal, se transforma num fantasma a assombrar a relação. É aí que o noivo, compreensivo e amoroso, diz: “essa casa é grande, temos lugar para uns poucos fantasmas”.

A questão que me proponho a tratar neste artigo é a seguinte: será que devemos mesmo dizer tudo o que fizemos ao nosso cônjuge ou amigos? Em outras palavras, será que é melhor contar todos os detalhes de nosso passado ou esconder alguns fatos que podem enodoar a nossa imagem e prejudicar a relação? Este não é um assunto simples e eu não quero abordá-lo de modo irresponsável. Por esta razão não tome o texto como uma ordem ou um mandamento. Siga sempre o que a sua consciência disser e faça isso com amor e sabedoria. Mas creio que algumas considerações podem ser úteis àqueles que, ainda jovens, querem construir relacionamentos sadios, francos e equilibrados.

Minha primeira observação é a de que ser sincero não é dizer tudo o que pensa ou sente. Muitas vezes isso é irresponsabilidade. Sincera (do latim sinecerum = sem máscaras de cera) é aquela pessoa que só fala o que pensa e sente, não aquela que fala tudo o que pensa e sente. A diferença é brutal e significativa. Muitos dos pensamentos e sentimentos que nos ocorrem precisam ser peneirados, pesados, avaliados, amadurecidos e isso, via de regra, leva tempo. É fundamental que nos perguntemos se aquilo que estamos animados a dizer vai ajudar a relação, será edificante e construtivo, caso contrário, qual a utilidade de falar? Cada um de nós tem coisas boas e ruins dentro de si, precisamos escolher com cuidado o que vamos retirar lá de dentro para oferecer às pessoas que estão ao nosso redor.

Jesus ensinou que o que contamina o homem não é o que ele come ou bebe, mas o que ele diz, porque sai de seu coração, e se transforma em comunicação, em laços que nos unem a outras pessoas e que findam por alimentar a nossa própria personalidade, delineando a nossa imagem e influência. De algum modo, ainda parcialmente misterioso para mim, o Mestre está nos dizendo que nos transformamos não naquilo que pensamos e sentimos, mas naquilo que falamos. E, obviamente, ele não estava preocupado somente com o que as pessoas vão pensar de nós, mas naquilo que efetivamente somos para nós mesmos. Nas suas palavras: “é aquilo que sai da boca do homem que o contamina, porque procede do coração” e em outra passagem ensina: “a boca fala do que está cheio o coração”. Há entre o coração e a boca um processo de mútua alimentação, de modo que a boca deixa vazar o que vem do coração e aquilo que me escapa pela boca enche ainda mais o meu coração.

Fatos e acontecimentos de nossas vidas são como roupas que compramos e usamos. Algumas queremos que permaneçam conosco, estas devem ser exibidas e discutidas. Outras nos envergonham e nos fazem pensar: “como eu tive coragem de usar uma coisa dessas?”. Nestes casos o melhor é jogá-las fora e não permitir que ninguém as veja. Fazendo assim, corre-se o risco de que apareça alguém com uma foto do carnaval de 1972, quando você saiu de baiana nas Virgens de Olinda, mas esse é um risco calculado que, por vezes, é melhor correr. Deixar que a pessoa nos conheça tem a ver com o presente mais do que com o passado. Está relacionado a permitir que o outro veja o nosso coração, aquilo que amamos e tememos, nossos sonhos e projetos de vida. Não é necessário que as pessoas sejam capazes de reconstituir os fatos que deram origem a cada uma das cicatrizes que eu trago no corpo. Nem eu mesmo sou capaz de fazer isso com perfeição, quando mais as pessoas que andam perto de mim.

Eu não vou lhes contar o que Gimene fez de tão grave, nem tirarei o prazer de vocês saberem por si mesmos se ela chegou ou não a confessar o seu ato a Rodrigo, mas lendo o que leram até aqui já deu para notar que, como ele, eu não vejo mal nenhum em uns poucos fantasmas. Mas leve uma coisa em consideração, se a roupa está no baú que você pretende levar para nova casa é melhor você falar dela, porque se ela vai ter mesmo que saber é preferível que seja por você. Isso lhe dará a oportunidade de colocar os fatos em seu real contexto e conferirá a você o benefício emocional de estar tomando a iniciativa de contar. Pese o custo emocional disso. Avalie se este fato encoberto vai ficar constantemente ameaçando vir a tona, nestes casos é melhor se livrar do malassombro e vivenciar a dor de expor o que lhe constrange. Quem escuta deve lembrar que tem também muitas “roupas envergonhantes” e que não é sábio “o sujo falar do mal lavado”.

Por fim, resta dizer que sem perdão, compreensão e graça toda relação está fadada a ser de desgaste e opressão. Todos nós precisamos aprender a nos perdoar e compreender, bem como a perdoar e compreender o nosso semelhante. Pai “perdoa as nossas ofensas, assim como temos perdoado a quem nos tem ofendido”... foi assim que Jesus nos ensinou a orar, agora só falta aprendermos a viver.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

domingo, março 23, 2008

O MITO DO DRAGÃO ADORMECIDO
Por Martorelli Dantas

Introdução. Em nossos dias, muitos são aqueles que se levantam para falar e escrever sobre o tema da sexualidade. Creio que isso se dá basicamente por duas razões: a relevância universal da temática e um aparente retroceder no liberalismo moral da década de 70. No meio evangélico, nota-se uma delicada realidade. Há entre muitos, uma perspectiva que reflete as mesmas posições éticas e morais defendidas pela sociedade dos anos 50, o modelo de sociedade conservadora, formal e fortemente ligada à tabus e preconceitos. Será isso correto e aceitável? Há de fato, uma moralidade que possa ser denominada bíblica ou cristã? Sem dúvida o binômio ética-moralidade compõe uma das mais polêmicas áreas da vida humana. Haverá absolutos, ou cada sociedade, no seu espaço e no seu tempo, deverá compor sua própria ética moral?

No bojo deste trabalho, tentaremos discutir algumas questões, tidas como pacíficas para a comunidade evangélica brasileira, entre elas, a que mais ocupará nossas atenções, será a que versa sobre o que legitima a relação sexual entre pessoas adultas.

Muito me incomoda, ver a incoerência em que vive grande parte do evangelicalismo do nosso país. Em qualquer reunião, palestra ou seminário em que formos que trate sobre a temática do sexo, encontraremos a repetição dos mesmos padrões: os adolescentes e jovens devem resguardar-se das relações sexuais até o casamento. Todo envolvimento sexual antes do casamento ou fora dele, deve ser evitado e é pecaminoso. Por isso não faça, não pegue, não...

Finda a palestra, as despedidas, as saudações, as observações sobre quão eloqüente e firme era o pregador, os améns. E lá se vão nossos jovens para os motéis, para as praias ou outros lugares que propiciem a intimidade. Vive-se em pacífica convivência com a incoerência. Um é o discurso, outra é a prática. E isto não se dá somente entre os jovens e adolescentes. Há também da parte da liderança da igreja uma certa conivência, já que estes, não se dão ao trabalho de entrar em profundidade na discussão deste assunto, se não para passarem uma perspectiva repressora e hipócrita. Repressora, devido ao conteúdo do discurso, hipócrita, pois, freqüentemente, é gerada por uma adequação aos modelos vigentes e não de convicções pessoais refletidas e analisadas pela consciência.

Ao lado destas dificuldades já apresentadas, junta-se a questão pouco falada, da situação em que vivem os adultos solteiros, forçados a viver em abstinência sem justificativas, apenas imposições. Esquecidos, por aqueles que, comodamente protegidos pela licicitude do casamento, vivem plenamente sua sexualidade.

Algumas vezes, em minha ação pastoral, tentei conversar com minhas ovelhas sobre este tema. Lembro-me de uma ocasião em que falava a um esclarecido grupo de mulheres solteiras, e uma delas me alertou: “Pastor, é melhor deixar o dragão adormecido”. É porque não creio que a sexualidade seja um dragão, e não entendo que ela, na verdade, esteja adormecida nestas pessoas, que trago a luz estas reflexões.

Não ignoramos as dificuldades de trabalhar com temas tão polêmicos, mas cremos que há diante de nós uma gritante necessidade de que, ainda que não resolvamos estes problemas, os discutamos. Convido você, para que, com abertura, espírito crítico e compreensão, caminhemos neste labirinto de receios, tabus e carências.

I. MITOS DA SEXUALIDADE

A. O Solteiro Adolescente e Jovem

Quando pensamos em seres humanos, devemos pensar em sexualidade. Somos por natureza seres sexuados, e isto é uma grande benção. Desde os primeiros momentos de vida emitimos estímulos sexuais e os recebemos do meio exterior. Não faz muito tempo, isso não era compreendido, e parece que continua não sendo em muitos meios, notadamente, o meio evangélico. Ainda mantemos velhos conceitos, de que a sexualidade só aflora na puberdade, e que esta desaparece na terceira idade. Isso é ignorância com relação aos estudos mais recentes, e desrespeito para com as pessoas envolvidas, tanto crianças como idosas.

É muito interessante o que a comunidade evangélica, em geral, faz com os nossos moços. Dizemos a eles que o sexo é uma benção de Deus, mas que ele só deve ser plenamente desfrutado na idade adulta. Isto faz com que os impulsos sexuais nesta fase da vida tornem-se, quase, uma maldição, já que os orientamos a reprimi-los de todas as formas possíveis. Afinal, sexo é benção ou maldição para os adolescentes e jovens? Creio que o sexo é uma benção de Deus em qualquer fase da vida. E devemos aprender a lidar e desfrutar as diferentes formas de manifestação do mesmo, no desenrolar de nossas vidas.

Não quero dizer com isso, que qualquer pessoa, em qualquer idade, deve manter relações sexuais. Precisamos aprender a diferenciar relações sexuais de sexualidade. A primeira, é algo para que, só estamos preparados a partir de um momento da vida, a segunda, é algo que está em nós e, graças a Deus, continuará a estar em quanto tivermos vida, quer vivamos 50 ou 100 anos.

O que nossos moços precisam, na verdade, é serem instruídos, de forma séria e cristã, sobre como lidar com a sua sexualidade, sem lutar contra ela . Mas aprendendo a se auto conhecer, sempre, e cada vez mais profundamente. Isso haverá de ser muito útil quando ele quiser compartilhar sua sexualidade com uma outra pessoa.

Em resumo, o que temos visto, é que se tem dito aos adolescentes e jovens que aguardem até o casamento, para que dêem vazão à sua sexualidade. Em outras palavras, reprima-se até o casamento. Segure a barra!

B. O Casado

O casamento, que para muitos é um tormento e uma prisão. Do ponto de vista da legitimidade da prática de atividades sexuais, para a Comunidade Evangélica , é a Ilha de Porto Seguro. Aqueles afortunados que conseguem chegar lá, podem fazer bom uso de seus estímulos sexuais. Só que, muitos se esquecem, que para isso acontecer, ele deveria ter sido preparado na fase anterior. Não são poucos os casais e pessoas que me procuram para falar de dificuldades na área sexual, e freqüentemente, percebo que são problemas que poderiam ter sido evitados se houvesse uma melhor educação sexual anteriormente. O paraíso sonhado pode rapidamente se tornar em um inferno angustiante, por falta de preparo e de discernimento.

C. E o Adulto Solteiro?

Decidimos escrever sobre a situação de inúmeras pessoas que estão em nossas igrejas, mas que freqüentemente são esquecidas por elas. Quando não são oprimidas e mal tratadas. É a situação do homem e da mulher com mais de trinta anos, que ou não contraiu núpcias, ou por algum outro motivo vê-se descasada.

São tantos os casos, que mais cedo ou mais tarde, alguém teria que escrever sobre o assunto de modo mais específico. Não quero com isso, pleitear originalidade para o meu trabalho, entendo-o como uma contribuição para a vida de pessoas que neste contesto se enquadram e, em última análise, para a própria reflexão da Igreja.

A esses indivíduos, se tem negado toda expressão de sexualidade. Chegamos mesmo a um ponto, em que eles mesmos perderam a coragem de levantar a bandeira da discussão deste assunto. Talvez não seja correto dizer que eles perderam a coragem, já que não estamos falando aqui de um problema objetivo, mas de algo que vai sendo incutido na cabeça de nossas crianças e jovens, a medida que estes são sociabilizados pela igreja. Daí a desesperadora angústia que domina o coração, principalmente de nossas moças, quando vão se aproximando dos trinta, e passam a buscar um casamento a todo custo, para fugir da perene castração. E não raro, o fazem de forma acrítica, sem padrões ou pre-requisitos, só ânsia e desespero.


II. QUEM É O ADULTO SOLTEIRO ?

Nesta fase do trabalho, tentaremos traçar um perfil psicológico de quem é, este que é o objeto maior de nossas reflexões, o Adulto Solteiro.

Do ponto de vista da idade, convencionaremos que o adulto solteiro, é o homem ou mulher que está na faixa etária entre 30 e 60 anos. Esta é a fase da vida, comumente chamada de adulta, sendo a que segue a esta, denominada, normalmente, de terceira idade. Tenho muita dificuldade em estabelecer o teto máximo de idade que enquadrará o adulto solteiro. Isso por duas razões: Creio que fazer isso, pode ser, agir da mesma forma que a sociedade, a qual criticamos, age, castrando e preterindo o idoso. O fazemos, mais por uma necessidade didática e para configurar melhor aqueles que são nosso alvo de estudo.

Quanto ao que tange a vida sentimental ou relacional, definiremos o adulto solteiro, como uma pessoa que já passou por experiências amorosas, sendo, freqüentemente, alguém que conhece a dor da desilusão e o prazer de amar e de se dar. Não raro, é alguém que foi casado ou viveu maritalmente com alguém, e que por algum motivo alheio às suas intenções iniciais, vê-se separado. A esta altura, ele não está envolto pelas mesmas preocupações que dominaram sua mente na fase adolescente e juvenil. Assuntos como virgindade, gravidez indesejada ou temor pela reação dos pais, não mais tiram o seu sono ou perturbam o seu coração.

Ainda para efeito do nosso estudo, o adulto solteiro aqui em foco, será alguém que está formalmente ligado a uma igreja evangélica tradicional ou pentecostal clássica. Esta relação se faz necessária, já que nosso objetivo, é trabalhar não somente o adulto solteiro como um todo, mas aqueles nessa situação, que são confessionalmente evangélicos.

III. O QUE LEGITIMA A RELAÇÃO SEXUAL?

Neste capítulo tentaremos definir, o que nos parece ser a questão mais polêmica quando se discute a sexualidade de pessoas adultas.

Têm ou não, pessoas adultas o direito de exercer a sua sexualidade em todas as suas dimensões. Essa questão nos leva imediatamente a uma outra mais abrangente, o que, na verdade, legitima a relação sexual?

Tenho entendido, que são dois os fatores que tornam autentico e não pecaminoso o relacionamento sexual entre adultos solteiros: a MATURIDADE e o COMPROMISSO.

A. Maturidade

Creio que o primeiro elemento que torna legítimo o envolvimento sexual entre duas pessoas, é a maturidade das partes envolvidas. Esta maturidade esperada, em pessoas que pretendem ter envolvimentos sexuais ou que já participam deles, deve ser percebida em, pelo menos, três dimensões:

1. Biológica.

O autor de Eclesiastes, já diz que “há tempo para todo propósito debaixo do sol”. Para a prática sexual também exige-se o suficiente desenvolvimento do corpo daquele que nela pretende se envolver. Tanto homens como mulheres, passam por uma série de transformações orgânico-hormonais, até que finalmente chegam a maturidade para a prática sexual. A idade do amadurecimento orgânico varia de pessoa para pessoa, porque cada indivíduo tem o seu próprio ritmo de desenvolvimento. Mas poderíamos afirmar, com razoável tranqüilidade, que o adulto solteiro, como definido neste estudo, já encontrou tal momento.

2. Psicológica.

Se há maturidade biológica, há também a psicológica ou emocional. Chamaremos de maturidade psicológica, a fase da vida em que o indivíduo detém um conhecimento básico sobre quem é, quais os seus desejos, intenções para com a vida, e para com as sua relações interpessoais. Este é um tipo de maturidade, largamente caracterizado pelo equilíbrio emocional, que por sua vez poderia ser descrita como a capacidade de exercer controle sobre suas emoções e não permitir que estas dominem e ditem suas atitudes. Para que alguém esteja apto para um envolvimento sexual com uma outra pessoa, é indispensável que já possa discernir o que vai dentro de sua mente e do seu coração.

Não é possível dizer com que idade se atingirá esse tipo de maturidade. Há muitos que morrem de velhos e nunca a alcançam. São irresponsáveis com os seus corpos e as suas emoções. E se o são com aquilo que é propriamente seu, que dizer da forma como tratarão os corpos e as emoções alheias?

Poderíamos citar como sinais de imaturidade psicológica o egoísmo, a arrogância e a irresponsabilidade.

3. Social.

O último tipo de maturidade que gostaríamos de abordar nesta fase do trabalho é a “maturidade social”. Vamos chamar de maturidade social, a capacidade que o indivíduo tem de assumir seus atos perante a sociedade na qual está inserido. Ser ele o único responsável por tudo o que faz e diz. De certa forma, poderíamos também falar aqui de independência social, mesmo sendo este um termo ambíguo, pois nunca se é de fato independente socialmente. No máximo, se pode ser independente de um determinado grupo social ao qual se esteve preso durante muitos anos.

Os adultos solteiros, como abordados neste trabalho são em tese maduros socialmente, muito embora, saibamos que haja aqueles que mesmo depois de uma certa idade, na qual se esperaria deles a referida maturidade, não a alcançam por limitações de personalidade ou conjunturais.

Em resumo, poderíamos dizer que somente pessoas inteiramente maduras, estão aptas para entrarem em um envolvimento sexual pleno, verdadeiro e legítimo.

Quando não recomendo o relacionamento sexual entre adolescentes, não o faço com base em nenhum tabu preestabelecido que quero defender a ferro e fogo. Faço, porque creio que o desfrute prematuro do relacionamento sexual, pode trazer repercussões negativas para os próprios indivíduos envolvidos, gerando traumas e dessabores perfeitamente evitáveis se houvesse mais maturidade nas partes.

Por outro lado, é importante dizer, que a presença daquilo que chamo de maturidade integral, não é garantia de relacionamentos bem sucedidos, se afirmasse isso, a história me desmentiria rapidamente. O que afirmo, é que estes são os elementos mínimos para um relacionamento promissor. É obvio, que aqueles que estão em busca tão somente do prazer físico, não estão nem aí para se aquele relacionamento é promissor ou não. Mas isto, é outra história!

B. Compromisso.

Se por um lado, achamos que aqueles que atingiram um estágio de maturidade integral, estão aptos a se envolverem em relacionamentos sexuais plenos, por outro lado, verificamos que isso não pode ser indiscriminadamente, ou seja com qualquer pessoa que também se encontre neste nível de maturidade. Porque assim fazendo, estaríamos pregando a promiscuidade e o liberalismo relacional, o que está longe de ser o nosso caso. Por isso, neste momento do trabalho, iremos definir o segundo elemento vital para legitimar relacionamentos sexuais, o COMPROMISSO.
Somente pessoas comprometidas devem dar-se mutuamente, porque pressupõe-se nisso que estes se respeitam e se querem bem. Mas não é fácil definir o que é compromisso em nossos dias, já que pessoas que começaram a namorar ontem, já se definem como compromissadas, e muitas vezes aqueles que mantém um relacionamento de décadas, quando inquiridos sobre seus compromissos amorosos, ou os negam ou os afirmam de forma pálida e insegura.

O que poderia então, ser definido como compromisso que torna, ao lado da maturidade, legitimo o relacionamento sexual? Creio que este compromisso é algo sério e provado, vamos tentar compreender isso melhor:

1. Sério.

No passado, quando um jovem ia até a casa da moça para pedir-lhe a mão em casamento, ou tão somente autorização para namorar, uma pergunta que comumente o pai da jovem fazia era a seguinte: “Quais as suas intenções para com a minha filha?” ou simplesmente, “São sérias as suas intenções para com a minha filha?”. Esta prática completamente em desuso, encerra em si um importante conceito, o do Compromisso Sério.

O que vem a ser um compromisso sério? Naquele contexto, significava intenção de casar e constituir família, no nosso, creio que significa um relacionamento responsável, respeitoso, que leve em conta os sentimentos do outro e que é estabelecido na intenção de perdurar. É determinante para isso a forma como as pessoas se aproximam umas das outras, ou a forma como estas são atraídas para perto da outra.

Vivemos numa cultura de sedução e nos acostumamos a usar a sedução como vetor de conquista e aproximação. E seria ingênuo pensar que alguém que foi atraído pela sedução, chegue agora e não pense mais em sexo imediato. Precisamos repensar os mecanismos de atração e de interesse urgentemente, senão em bem pouco tempo seremos uma igreja tão encharcada de libidinosidade como o mundo.

2. Provado.

Todos os enamorados, amam louca e arrebatadoramente. Podem jurar que aquele relacionamento durará para sempre, ou como dizia Vinicius: “Será eterno enquanto dure”. O grande problema, é que na maioria das vezes, dura bem pouco. E como poderemos definir o que vem a ser um compromisso provado?

Nesta difícil tarefa, proporemos três princípios que podem ser úteis, ainda que não resolvam totalmente a questão. São eles: tempo, crises e respeito. Analisemos um a um:

2.1. Tempo.

Quanto tem durado um relacionamento, pode ser uma boa fonte de informações sobre a confiabilidade daquele compromisso. Ter passado pelo critério do tempo é importante, já que, pelo menos teoricamente, este permite aos parceiros se conhecerem melhor, dominarem melhor os seus próprios sentimentos em relação ao outro, assim como, conhecerem melhor aquilo que passa no coração do outro, no que diz respeito a você. Muitos são aqueles que vão argumentar dizendo: mas há tantos que se relacionaram por tanto tempo, e mesmo assim descobriram que não se conheciam. A estes eu respondo argumentando, que são muitos mais, aqueles que se entregaram sem se conhecer, e que curtiram a dor da rejeição quase que subsequente à entrega.

2.2. Crises.

Quando eu me expresso, dizendo que um relacionamento precisa ser provado, estou pensando basicamente, em um relacionamento que já passou por crises e as superou, saindo delas mais fortalecido do que entrou. A perseverança da relação, se assim me fosse permitido falar. Um relacionamento por mais longo que seja, sem que tenha passado pelas crises da convivência a dois, pode ser extenso mais não foi intenso, pode ter sido longo, mas, provavelmente, não foi profundo.

Mas é preciso que eu alerte aos leitores mais desavisados, que não estou falando de instabilidade. A crise nossa de toda semana. Não considero um compromisso provado, aqueles que vivem de tropeços a cada metro do caminho, de desavenças. de incompatibilidades e intrigas. As crises não são meros desentendimentos. São provas da firmeza e seriedade do compromisso.

2.3. Respeito. Em último lugar, vamos nos referir ao respeito, como critério para determinar se um relacionamento pode ser considerado provado. Tudo em um envolvimento amoroso deve ocorrer sob a égide do respeito mútuo. No amor, toda a agressividade será castigada. É indispensável que cada um saiba respeitar o corpo do outro, os limites do outro, os sentimentos do outro etc. Sem respeito, a convivência é infernal ou humilhante, e inexiste a segurança.

CONCLUSÃO. Sei que muitos são aqueles, que ao lerem essas páginas vão dizer: “Liberou Geral?” A minha resposta para esta pergunta/afirmação é um categórico NÃO! Entendo, que quando estabelecemos critérios sérios e éticos para os nossos comportamentos, sem deixa-los às escuras por medo de discuti-los, estamos, em última análise, colaborando para a sanidade espiritual e psíquica de nossas comunidades.

Meu sonho, é ver no futuro uma igreja evangélica menos oprimida e opressora, e mais livre e curativa. Onde o bálsamo da tolerância e da compreensão seja ministrado ricamente ao mundo pelas mãos de Cristo, que é a Igreja.

Não é só liberdade com responsabilidade, é liberdade para quem tem responsabilidade.
Páscoa: Memórias da Escravidão e o Preço da Liberdade

Esta é sem dúvida a festa cristã mais importante do calendário litúrgico, mas poucos dão a ela a relevância que a mesma reclama. No Brasil, particularmente no Nordeste, dois elementos se tornaram dominantes na tarefa de simbolizar a Páscoa: o chocolate e os espetáculos. Eu não quero diminuir o valor e a importância de nenhum dos dois, principalmente do primeiro, mas obviamente que ambos são periféricos e nem sequer tangenciam os grandes desafios que esta época do ano evoca.
O chocolate não o faz, porque é uma tradição importada da Europa, que remonta ao hábito nórdico de dar ovos decorados aos amigos neste período do ano, e acaba falando mais ao estômago que à alma. Já os espetáculos não o fazem, porque impressionam mais pela performance dos atores que naquele momento encenam um drama, que poderia ser de Shaquespeare ou de um outro grande escritor, do que pelo conteúdo das falas e vidas envolvidas.
Para compreender o sentido da Páscoa, precisamos nos reportar ao livro de Êxodo, ao instante mesmo em que ela foi instituída por Deus, através de Moisés (cap. 12). Primeiramente, a Páscoa é uma ceia, algo que não se deve fazer sozinho, é um ato da coletividade, sobretudo da família (é uma festa para ser celebrada entre os seus). Em segundo lugar, ela é um marco entre o estado de escravidão e a liberdade que se anuncia próxima. Através dela nos recordamos do amargor dos dias que passamos sob os rigores da exploração, dos dissabores de uma vida sem sentido, a serviço dos interesses alheios, onde éramos vistos como máquina, números, contingente de manobra, de quando fomos feitos coisa (res). E em terceiro, lugar é preciso comer de pé e vestidos para partir, como se dizendo que somos seres "de partida". Se há um signo supremo sobre o povo de Deus é este, eles estão "de partida".
Mas o mais importante símbolo da Páscoa é o "sangue do cordeiro" que foi aspergido sobre os umbrais das portas das casas para que o anjo da morte não toque as famílias nelas abrigadas. A morte do cordeiro nos livra da morte dos nossos filhos. Seu sangue em nossas portas nos protege da visita da desgraça e da calamidade. O dia em que os cordeiros foram mortos no Egito foi o mesmo em que morreram muitos primogênitos. Filhos queridos, sacrificados para que um povo fosse libertado, para que um coração fosse quebrantado, para que uma profecia fosse cumprida. É um preço caro demais. Fosse eu juiz de tudo, inclusive da história, e me perguntassem se gostaria que a liberdade do povo de Israel se construísse deste modo, diria que não. Preferiria que continuássemos buscando soluções menos gravosas, esgotássemos a diplomacia... quem sabe mais piolhos?
O fato é que não importa o que eu penso. A liberdade tem um preço, e é caro. Imagine você em um restaurante de frutos de mar (eu amo frutos do mar). Mas este é um restaurante especial. Nele você não precisa fazer pedidos, os garçons trazem pratos prontos e lhe oferecem. São patolas de caranguejo à milanesa, aratu, camarões de todos os tipos. E você vai pedindo o que sentir vontade e na quantidade que lhe convier. Só é preciso não esquecer de uma coisa, antes de sair você precisará pagar a conta. Este é um princípio universal de nossas vidas. Nós fazemos as escolhas, ma sempre pagamos o preço das decisões que tomamos. É justo que seja assim.

Esperamos que nesta Páscoa nós tenhamos tempo para lembrar da época em que éramos escravos e vivíamos perdidos, alheios à vida da Graça em Cristo Jesus e nos recordemos que para que pudéssemos ter a paz com Deus que agora temos foi preciso que o Filho Amado do Pai se entregasse em nosso lugar.
Feliz Páscoa!
Com carinho,
Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quarta-feira, março 12, 2008

Ramos Secos

Hoje é Domingo de Ramos. Recordamos-nos da entrada triunfal de Cristo em Jerusalém. Este acontecimento daria início à sua paixão, seu sofrimento final, que nos conduziu à salvação e à comunhão absoluta com o Pai. O dia de hoje é bastante eloqüente por pelo menos três motivos: lembra-nos que os homens souberam ver em Jesus sua realeza e majestade; que com alegria o Senhor acolheu os gritos de louvor e os gestos de celebração de seu reinado e que tão depressa o povo pode esquecer dos “hosanas” que cantaram e foram capazes, as mesmas bocas, de se encherem de um “crucifica-o! crucifica-o!”. Os ramos logo secaram! Sempre secam com rapidez porque para que possam ser usados para os acenos precisam ser desarraigados do tronco e das raízes. Ramos ao ar é certeza de breve desvanecimento.

Esta pode ser uma lição triste, mas não sem valor. Em momento nenhum Jesus depositou confiança nas palavras dos homens. Não o vemos nem decepcionado nem frustrado com a mudança tão brusca e radical que se verificou em menos de uma semana. Ele conhecia a natureza dos homens. Sabia da volubilidade das pessoas e que confiar em seus aplausos ou temer suas vaias é comportamento de quem não sabe a razão pela qual vive e exerce seu papel neste mundo. O grande desafio da sabedoria e da humildade que buscamos é ter uma vida guiada por valores e não pela contínua busca de aprovação popular. Foi Nietzsche quem disse que “vale a pena trocar o que não se pode reter por aquilo que não se pode perder”. Querendo com isso ensinar que a nossa identidade é algo que não podemos negociar e a aprovação popular é algo que não podemos manter indeterminadamente em nosso favor.

Contudo, não são poucas as pessoas que encontro em minha caminhada cujas vidas se pautam pela expectativa de faustos e festividades em sua honra. Não estou dizendo que ser celebrado e festejado não seja bom. É! O que estou afirmando é que tais acontecimentos não podem dirigir os nossos passos. O Mestre estava indo para Jerusalém para ser crucificado e morto em nosso favor. Em suma, buscava realizar a vontade do Pai. No meio desse caminho ele foi assaltado pelos gritos de louvor e de exaltação do povo, o que alegremente acolheu, mas não foi por este motivo ou à procura disso que encaminhou seus passos para a “cidade santa”.

Não há um único geste em Jesus que seja feito à procura de prestígio ou fama. Estes vieram a despeito de todo seu esforço para manter-se oculto, no anonimato. Muitas vezes o vemos realizando milagres e pedindo às pessoas que eram agraciadas para que nada dissessem a ninguém (bem diferente do que vemos hoje acontecendo tanto na televisão como nos templos cristãos). Ele sabia que muita exibição na “mídia” só lhe traria invejas e perseguições. As pessoas que precisavam dele, estas ele as encontraria no caminho, não em grandes encontros laudatórios.
Eu ainda estou aprendendo a não me preocupar com a opinião pública. Recordo-me de um tempo em que servi a ela, como se serve a um deus. Fiz suas vontades e desejei que estivesse sempre do meu lado. Hoje eu compreendo que não deve ser esta a nossa direção. Fazer a vontade de Deus deve ser nosso Norte. Fazendo-a, diz-nos Jesus, todas as outras coisas nos serão acrescentadas. E tem sido assim em minha vida. Se as pessoas me parabenizam por esta ou aquela conquista, por este ou aquele ato, alegro-me e recebo de bom grado as congratulações, mas nenhum deles imagina que por eles ou para eles fiz o que fiz. Fui movido sempre por um senso de vocação. Se ouço críticas e reclamações a respeito desta ou daquela atitude que tomei, considero as razões apresentadas, questiono se não fui tolo ou imprudente em agir como agi. Se nada me acusa a consciência, simplesmente sigo o meu caminho, sem qualquer peso em minha alma. Nunca me esqueço que ramos secam muito rapidamente.

Mas hoje é Domingo de Ramos! Levantemos nós também os nossos ramos e saudemos a Jesus que vem para nos libertar e salvar. Ele é a nossa alegria e glória. Fonte única de certeza e de segurança. Graças a Deus, ele continua aceitando nossos cânticos e hosanas. Não se importa por sermos tão volúveis e mutáveis. Não podemos oferecer-lhe mais nada além de nossos sinceros sentimentos neste exato momento e pedir que ele nos mantenha fiéis, posto que esta não é uma qualidade dos homens. Paz e Bem!

Com contentamento e alegria,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quarta-feira, março 05, 2008

Um coração de mulher

Ontem celebramos o Dia Internacional da Mulher, a própria existência de uma comemoração assim já nos revela o fato de que ainda há muita discriminação em nosso meio. Não fosse isso verdade seria desnecessária tal festividade. Quem já ouviu falar do Dia Internacional do Homem? Homens e mulheres são realmente muito diferentes. Não apenas física e emocionalmente, mas também no que diz respeito às práticas espirituais. Desde que comecei o meu ministério pastoral, há vinte anos, foram sempre as mulheres que vi sustentando as igrejas, através de seu trabalho, dedicação, compreensão e amor. Nos cultos de oração das mais humildes congregações, lá estão elas aos pés do Senhor, clamando por seus esposos, por seus filhos... por seus líderes. As mulheres são o esteio da igreja.
Na Bíblia esta realidade também se revela. São inúmeras as mulheres em ambos os Testamentos que enaltecem o gênero pelo seu modo digno de viver e de agir. Mais que submissas, elas são verdadeiras auxiliadoras de seus maridos, quando não seu arrimo e consolação. Mulheres santas como Sara, esposa de Abraão; Ana, mãe de Samuel; Rute, companheira de Boaz. Marcadas pela profunda confiança em Deus e por uma completa devoção às suas famílias. Quando pensamos nos grandes personagens masculinos da Antiga Aliança, somos capazes de imaginá-los em guerras e conclaves, mas cada mulher nos aparece relacionada diretamente aos de sua casa. Ainda vai levar muito tempo para que os homens aprendam que as lutas que realmente importam são aquelas que precisamos vencer no seio de nosso lar.

O Novo Testamento não nos deixa sem nossas musas. Ele nos apresenta Isabel, mãe se João Batista; Priscila, esposa de Áquila e Lóide, avó de Timóteo. Mas entre todas as mulheres encontradas nas Sagradas Escrituras, nenhuma resplandece como a Virgem Maria. Gosto de pensar que Deus, na eternidade, ao planejar redimir o mundo de seu estado de perdição e de pecado, decidiu que o seu Filho não teria só dissabores nesta terra, não viveria só de ingratidão e de humilhação. Quis que ele conhecesse o bem mais sublime que em toda criação é possível vislumbrar: o colo de uma mulher: mundo de aconchego e de paz, fonte de segurança e conforto, recanto de amor e de alegria. Nada se compara a um colo de mulher.

Quando penso na rudeza e pobreza do presépio, creio que os nossos olhos se enganam. Não fora o Pai tão cheio de desconsideração para com seu Unigênito, que o enviou para nascer numa estrebaria e repousar numa manjedoura. Todos estes elementos, presentes na natividade, foram eclipsados pelo colo de Maria. Foi nele que Jesus foi recolhido ao nascer, seu primeiro berço foram os braços de sua mãe. Neste sentido, nem mais pobre nem mais rico que qualquer um de nós. Pois a fortuna com que abençoou o Redentor, Deus nos aquinhoou também. Sou grato pelo colo que me recebeu e me recebe, nunca indisponível a mim.

As mulheres, passados tantos milênios, realizadas tantas conquistas e avanços políticos, econômicos e sociais, continuam seres frágeis e doces. Quem dera permanecessem sempre assim. Sinto-me feliz por ver que já não resistem em nossos dias aquelas figuras estranhas que militavam no feminismo das décadas de 70 e 80, caricaturas de homens, copiavam nossos piores defeitos enquanto maquiavam, desnecessariamente, suas maiores virtudes. A feminista de hoje é feminina também. E há muito pelo que lutar e pelo que chorar. Lamentar pelos homens que continuam falando a linguagem bestial da violência, na ignorância de que proteger a mulher é cuidar do útero da existência, do olho d’água da vida humana.

Sei que um dia partirei desta estrada tão acidentada e desértica. Irei, conduzido por anjos, ao encontro dos santos do passado. Serei recebido no habitat celestial, todo adornado de ricas pedras e imarcescíveis flores. Ao chegar na morada dos espíritos, onde as antigas canções são entoadas por perfeitas vozes, farei, então, a mais surpreendente de todas as descobertas, sempre silenciosamente suspeitada, mas nunca, nem agora, confessada. Dar-me-ei conta, ao lado de meus irmãos, que há mais de mulher em Deus do que tiveram coragem de conjeturar os teólogos e proclamar os profetas. Posto que sei que serei abraçado e um melódico som de muitas águas pronunciará meu nome e me contará da saudade que sentia e o desejo ardente que premia de se encontrar comigo. Estará descoberto, então, que o céu, o verdadeiro céu, nem é um palácio nem um casarão, não é feito de nuvens nem de algodão, é só um coração... um coração de mulher.

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Como ser feliz!

Se alguém me pedisse para dizer qual o maior e mais grave problema do ser humano de nossos dias, eu responderia sem pestanejar: a vontade de ser feliz, sem saber como. Mas não é direito de todas as pessoas ser feliz, por que isso é um problema? Em primeiro lugar, porque as pessoas querem ser felizes, mas nem sabem direito o que é ser feliz. Confundem felicidade com prazer ou com a ausência de dores, imaginam que felicidade é ter uma vida abastada e “igualzinha” a de fulana ou cicrano da televisão ou ter um apartamento com vista pro mar e um carro top de linha na garagem. Tudo isso é bom e desejável, mas nada disso é felicidade. É por pensar que estas coisas podem fazer materializar em nossas vidas o ideal de plenitude de vida que os homens e mulheres de nossos dias vivem continuamente a dinâmica da FRUSTRAÇÃO.

Estão frustrados porque não conseguem o que querem ou porque conseguiram, mas a felicidade sonhada não estava lá. Quem sabe se tivermos o dobro do que temos agora... pensam eles, sem saber que nesta busca desenfreada pelo ter a única garantia que encontrarão é o dobro de decepção, uma vez que felicidade não se compra, não se vende, não se dá nem se empresta. Para ser de fato feliz é preciso tão somente SER. Não faz muito tempo um aluno meu da faculdade de administração me encontrou e todo contente me disse: “Martorelli, muito obrigado, sempre quis lhe agradecer, mas nunca tinha tido a oportunidade”. Eu perguntei: agradecer pelo quê? Ele me respondeu: “É que quando você me ensinava ética profissional você disse uma frase em sala de aula que mudou a minha vida”. Eu fiquei curioso e perguntei que frase havia sido esta. Para minha surpresa a frase era uma imensa obviedade, mas que foi ouvida por ele no momento em que ele precisava ouvir. Segundo ele eu disse em uma de minhas aulas: “Se você quer mesmo ser feliz SEJA. Pare de ficar colocando condições e dando desculpas para si mesmo. Quem não sabe ser feliz agora, com o que é e com o que tem, nunca será amanhã, venha a ser o que for ou venha ter o que for”.

Bem, eu não sei se disse isso, mas se não disse deveria ter dito :-). O único caminho realmente seguro para a felicidade é não desejar ser feliz, mas sê-lo aqui e agora. Felicidade em meu conceito é a junção de gratidão e paz. Gratidão a Deus e às pessoas com quem convivemos agora e com as quais convivemos no passado, quer tenham nos feito bem quer não, pois tudo contribuiu para sermos o que somos hoje, e esta é a maior razão para sermos agradecidos, sermos hoje o que somos. Você pode protestar dizendo: Mas eu não sou nada! Ao que eu respondo: Graças a Deus que você descobriu isso, tem muita gente que ainda não se deu conta que não é nada nem tem que ser.

Quando alguém diz que não é nada revela ignorar que as coisas que é são imperceptíveis, mas valiosas. Continuamos dizendo que não somos nada, mesmo sabendo que somos filhos amados de Deus, que temos uma família que faria qualquer coisa por nós e que guardamos no coração uma fé preciosa que nos diz que Jesus é nosso Senhor e Salvador. Tudo isso é nada para a maioria das pessoas. Na esteira do que disse Sant Exupéry, não apenas o essencial é invisível aos olhos, mas é também indetectável por nossos padrões de valores. Se eu dissesse que sou advogado, professor ou pastor não estaria dizendo nada que me é essencial, pois já fui feliz sem ser isso e posso muito bem ser mais uma vez se deixar de ser estas coisas. O que me torna feliz é ser exatamente aquilo que os outros dizem ser “nada”. Louvado seja Deus pela imensa graça e misericórdia que me permite ser plenamente feliz não sendo nada!

Mas eu disse que o caminho da felicidade é a gratidão e a paz, falei sobre a primeira, mas o que vem a ser paz? Inicio afirmando que não é a ausência de perseguições, dores ou conflitos. Simplesmente não conheço um só momento de minha vida em que não tive que enfrentar tudo isso. Se estivesse esperando por um instante de ausência destas realidades em minha história pessoal só poderia agendar a minha felicidade para daqui a uns 60 anos. A paz não pode ser definida por nós como um conceito negativo, ou seja, como não estar presente em nossas vidas estas ou aquelas realidades. Paz é comunhão com a vida e com as pessoas. Parte do aceite de quem somos e converge para o respeito em relação ao que as pessoas são. Paz é integração com a vida que temos e com as circunstâncias em que nos encontramos. Nada do que vivemos e passamos foi inútil, eu é que ainda posso não ter entendido a belíssima lição que cada transe da vida encerra. Contudo, eu quero aprender.

Quando eu olho para o meu futuro, o futuro de Thiago e de Thainá, bem como o desta humilde comunidade, só posso fazê-lo à luz de quem Deus é e de como tem sido o seu trato para comigo ao longo destes “quase” 40 anos. Assim, vou sendo invadido pela certeza de que tudo terminará bem e que as coisas todas se resolverão e caminharemos de melhor para o melhor ainda. Não porque eu mereça ou porque seja capaz de qualquer coisa, mas porque “eu sei que o meu Redentor vive” e que Ele cuida de mim. Não é para lhe causar inveja ou amargura, mas gostaria de lhe dizer que, confiado na graça e na misericórdia divinas, EU SOU FELIZ. Paz e Bem!

Com carinho,

Martorelli Dantas, seu irmão
martorelli@martorelli.org

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Nossos Planos para 2008

Reconheço, amo fazer planos. Planejo tudo, meu dia, minha semana, meu ministério, minha carreira profissional, minhas férias... até a vida de meus filhos eu planejo. Não que me sinta no compromisso de cumprir milimetricamente cada item planejado, mas porque com um planejamento detalhado eu tenho a sensação de saber para onde estou indo, do que estou construindo e quais os resultados que obterei ao final de meu esforço. Eu disse: “tenho a sensação de saber”, porque é só isso mesmo que os nossos planos podem nos oferecer, sentimentos aquietantes, posto que segurança só Deus pode nos dar. Eu já vi os melhores planos falharem e coisas que nunca foram sequer imaginadas me trazerem uma indizível alegria.

O sábio Salomão já nos havia dito que “o coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor” (Prov. 16:1). Muito do prazer que eu sinto em planejar vem do fato de que eu consigo antegozar as alegrias das vitórias planejadas, ou seja, sou capaz de viver agora uma alegria que pode ser que aconteça amanhã. É o contrário de ter ansiedade, que é a capacidade de sofrer agora com um mal que pode ser que aconteça amanhã. Se soubermos lidar bem com o planejamento, fazendo dele um mapa que nos mostra por onde devemos seguir para chegar ao local que almejamos, ele pode se tornar uma ferramenta muito útil. O que não podemos esquecer é que os antigo navegadores, que utilizavam mapas e instrumentos de localização, nunca desprezaram as estrelas como forma indicativa de trajetória. Nunca poderemos nos esquecer que acima de nossos planos está o Senhor e a sua vontade, Ele é a nossa Estrela da Manhã.

Mas o que estamos planejando para a Comunidade Cristã em 2008? Antes de qualquer outra coisa, queremos ser uma comunidade de cristãos. Nosso maior propósito é continuarmos sendo uma comunidade de amor, serviço, misericórdia e união. Nada é mais importante do que nos amarmos aqui em adoração ao Deus único e verdadeiro que nos tirou das trevas para o reino do Filho do seu amor. Contudo, também queremos crescer e nos fortalecer para alcançar mais e mais pessoas com o Evangelho da Graça. O que faremos para que isso ocorra?

Vamos, com a graça de Deus, organizar em 2008 sete grupos familiares, pequenos grupos que se reúnem em uma determinada residência uma vez por semana para estudar a Bíblia segundo um roteiro estabelecido, de modo que alcancem laços mais fortes de fraternidade, de crescimento espiritual e gerem interdependência (o amor sempre produz interdependência, nos faz sorrir com os que sorriem e chorar com os que choram). Se você tem interesse em ter um grupo familiar funcionando em sua casa deve seguir os seguintes passos: 1. Converse com seu cônjuge ou seus pais para ver se há concordância nesse desejo; 2. Procure duas pessoas que estejam dispostas a assumir com você a responsabilidade por esse grupo familiar; 3. Agende uma conversa comigo, para receberem (os três ou quatro) as instruções de funcionamento do grupo familiar.

Vamos, com a graça de Deus, promover quatro conferências em hotéis da Zona Sul. Estas conferências serão encontros facilitadores, para os quais convidaremos nossos amigos e parentes e que os ajudarão a conhecer a verdade do Evangelho de um modo não litúrgico. Terão o formato de palestras, mas terão objetivo evangelístico e terapêutico. Os temas serão: 1. Ansiedade, medo e depressão; 2. Espiritualidade e vida profissional; 2. Cura para os desequilíbrios financeiros e 4. O desafio de criar filhos adolescentes hoje. As conferências acontecerão de três em três meses, de modo que ocorrerão duas no primeiro semestre e duas no segundo semestre. Convidaremos para expor estes temas pastores, psicólogos, médicos, administradores de empresas, dependendo da pertinência da formação ao tema.

Vamos, com a graça de Deus, promover dois retiros espirituais. Serão finais de semana nos quais nos dedicaremos à oração, à integração e à edificação de nossas vidas em Cristo. O primeiro retiro acontecerá no feriado do Carnaval e o segundo será agendado para o segundo semestre. Estes retiros serão prioritariamente para os membros de nossa Comunidade, mas havendo vagas outras pessoas poderão ser convidadas a participar. Serão preletores nestes retiros irmãos de nossa própria convivência.

Creio que até o final deste ano estaremos funcionando em uma sede própria (ainda que seja alugada:-), para onde convergiremos as atividades de culto, aconselhamento e ação social. Mas antes disso ocorrer, é provável que passemos algum tempo nos reunindo em um auditório mais amplo. Estamos a procura de um local para 250 pessoas com facilidade de estacionamento e na Zona Sul. Não queremos alugar uma sede neste primeiro semestre, para que tenhamos tempo de ver quantos efetivamente seremos nos próximos seis meses. Hoje temos aproximadamente 150 pessoas freqüentando as nossas reuniões, se for esta a vontade de Deus e exclusivamente para a Sua glória, seremos muito mais do que isto até o final deste ano.

E você, quais são os seus planos para este ano? Escreva para mim e compartilhe comigo, quero muito estar presente em sua vida e de sua família neste novo tempo que o Senhor Jesus nos dá. Paz e Bem!

Com carinho,

Martorelli Dantas
martorelli@martorelli.org