terça-feira, novembro 07, 2006
Tempus Fugit: a arte de saber viver
Em muitas casas, no passado, havia um móvel cuja função era ser um guardião do tempo, refiro-me aos relógios de carrilhão, capazes de marcar as horas com seu canto de passagem e até mesmo os minutos com um tic-tac tão sonoro que se podia ouvir durante todo o dia, particularmente no silêncio da noite. Um antigo mestre, Rubem Alves, costuma dizer que estes relógios, bem como todos os demais, falam conosco, dizem: tempus fugit, o tempo foge, escoa, escapa por entre os nossos dedos. Quanto mais eu vivo, mais me convenço de que isto é verdade.
Posso dividir a minha vida em duas fases: a primeira, em que as pessoas me diziam: “você é novo demais pra isso...” e a segunda, em que elas me dizem: “você não vê que já está velho demais pra isso...”. Aí não há como evitar que bata uma angústia. Será que nunca estamos prontos para os desafios da vida? Será que haverá sempre uma inadequação entre a maturidade/capacidade que as pessoas percebem em nós e aquilo que a vida demanda?
Eu, de minha parte, jamais liguei para estes “alertas”. Aprendi que eu estou no ponto para viver o dia de hoje! Fiz sempre o que as pessoas não queriam que eu fizesse por ser novo demais e almejo, um dia, me tornar um velho que escandalize até mesmo os meus melhores amigos, fazendo o que não se faz em “certas idades”. O meu compromisso é com a vida e não com a conveniência; com a verdade que se coloca diante dos meus olhos e não com o consenso; com o amor ao próximo e não com o aplauso do próximo. Não quero ser coerente, eu não posso ser.
Eu nasci do ventre de minha mãe sozinho e um dia partirei para o ventre da mãe-terra igualmente só, portanto levo a vida com os outros e não para os outros. Quero expressar respeito e carinho, mas não submissão e passividade. Não exijo que ninguém ande comigo, nem que concorde com o meu modo de caminhar. Peço apenas que me respeitem e que me compreendam como um homem fazendo escolhas, as suas escolhas, que é o único modo de se viver.
O Senhor me ensinou que a melhor maneira de existir é viver plenamente este fugidio momento que se chama presente, o dia de hoje. O presente é um presente de um Deus presente. Eu preciso torná-lo único, especial, memorável. Para isso, faz-se necessário que eu me desvencilhe do passado. Quero olhar para trás sem mágoas e ressentimentos. Distribuo prodigamente o perdão, a minha “luta não é contra a carne e contra o sangue”, não é contra as pessoas, mas contra idéias, posturas, atitudes e estas foram já não são. Não há porque lutar hoje contra o que só existiu ontem.
Também não sou um cruzado, empreendendo “guerras santas”. Deus cuida de si e do que é seu. Se a terra é santa, o é porque Ele a guarda, não eu. A única terra sacrossanta que me foi confiada é o meu próprio coração. Que nele não habitem os ídolos da vaidade, da arrogância, da auto-suficiência; que nele não se erijam altares para a ilusão das riquezas, à opulência mentirosa dos títulos e patentes, à maligna petulância piegas que despreza o abraço e o sorriso.
Até hoje nunca vi um soldado-raso prestando continência pra túmulo de general. Os mais belos, os mais sábios, os mais fortes, os mais ricos, os mais virtuosos entre nós, cedo ou tarde, vão virar refeição de tapuru. Mas também não me preocupo com eles. Que esperem muito por mim, porque hoje estou ocupadíssimo vivendo. Quero amar minha mulher debaixo dos nossos lençóis, viajar com meu filho, dançar uma valsa com minha filha, sorrir muito de estórias idiotas com meus amigos, chorar lendo um poema de Drummond, rever velhos filmes, ouvir Chico e quedar-me silencioso ante a beleza inexprimível de um crepúsculo no sertão. Isto é vida, o resto são coisas que fazemos enquanto estas não vêm.
Também aprendi a arte de travestir de prazer tudo que se chama obrigação. Quando os professores exigem que leia pilhas de textos sobre assuntos desinteressantes. Eu brinco com os livros, rio deles, chamo-os para passear comigo. Às vezes penso que sou capaz de me divertir lendo até lista telefônica. Nada é impossível pra quem tomou a decisão de rir, sobretudo de si mesmo e de suas inúteis e efêmeras construções. Quando estou preparando um sermão ou escrevendo um texto como este, não penso nas transformações que eles podem promover na vida das pessoas. Sinto a alegria terna e simples de fazer, de pré-parar, como uma mulher que sente tanto prazer em se vestir para o amor como em amar propriamente.
Também aprendi a fazer do futuro o meu melhor amigo. Quando penso sobre ele só vejo coisas boas. Não antevejo nem a ruína nem a dor. Se estas me sobrevierem me tomarão de surpresa. Quero que seja assim. Não vou, como já vi muitos, me preparar para o que não quero viver, pois fazê-lo seria um modo de lhe invocar. Ansiedade não é pensar no futuro, é sofrer com o futuro, mas o meu futuro não me faz sofrer, posto que é meu amigo. No futuro eu sou sábio e magro, amado e amante, mestre e aprendiz. Não sou rico, porque ser rico dá muito trabalho.
No futuro eu morro, que morrer não é ruim, é só uma viagem que nos “convidam” a fazer antes da hora, e eu embarco em sua nau cheio de curiosidade. Deixo pra trás meus amigos e inimigos chorando, estes por nunca terem me pegado, aqueles por nunca terem me perdido.
Com carinho,
Martorelli Dantas
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2 comentários:
Pois é reverendo, se formos pensar a sério na vida e nos limites que a nossa cultura e sociedade capitalista nos impõe, seremos engulidos por uma tristeza sem tamanho...
Pensar na vida é pensar que ela é breve, e que as grandes oportunidades de ser feliz aparecem em embalagens de papel jornal, simples e despretensiosamente, e ai é que tá o nosso equívoco, traçamos metas altas demais, corremos atrás de tantas coisas, e a felicidade está a nossa porta diáriamente...
Ah, meu email... miriamsouza700@hotmail.com
Boa sorte para ti...
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